Não me esforcei para
determinar em fazer o que fiz e fazê-lo
Não foi por falta de
dinheiro como Mário de Sá Carneiro
Converti-me nisto de
cicuta ou cianeto
Na escrivaninha,
somente livros
E uma substância letal
Pensei em tomá-la, mas
certa vez vi uma barata estrebuchando no chão sob efeito desses entorpecentes
entomológicos
Foi quase a paixão de
uma epifania
Tal qual de G.H. com o
pomo da barata e, não quis, enfim, ter um desfecho tão escatológico como o de
Sá (ou o da barata)
O pai mantinha guardada
uma FN Herstal calibre 7.65
O mesmo modelo usado
por Gavrilo no assassinato de Franz Ferdinand e Sofia
Esta, sim, seria uma
arma ideal
A um final digno de um
moribundo de alma
Sêneca foi “suicidado”
Virginia Woolf se
afogou (de propósito), enchendo o casaco de pedras e entrando num rio
Freud a salvaria, ou
melhor, Lacan, pois Freud já estava morto
Eu teria, ao contrário,
a morte digna de Hemingway e outros que o valham
Poderia cometer um
crime passional, mas não sou desses que botam a culpa nos outros
A culpa era toda minha
Um coração condigno não
pode embair-se com sentimentos quiméricos
Fui ao quarto de meu
pai, pela manhã
Após tê-lo acompanhado
até a saída
Sentei-me na cabeceira
da cama (dele)
Chorei um choro seco
Pensando em tudo quanto
poderíamos ter vivido
Abri o criado-mudo
Peguei a FN Herstal
Destravei-a
Coloquei a extremidade
do cano contra o céu da boca
Levantei-me
Fiquei de frente para o
espelho
Olhei-me nele por
alguns segundos
E fiquei imaginando
como seria meu cérebro espalhado pelo chão, pregado no espelho, na parede: uma
cena de Hannibal
Refletir causa muita
dor
Devanear é pensar sem
rumo para se esquecer de qualquer coisa
Mas, a reflexão também
dá rédeas à razão
Que criou uma corrente
contra a exacerbação dos meus desejos
Excesso de encômios não
equivale a demasiado amor
Senão a demasiado
desejo
Isso pode ser bom ou
ruim
Bom é fruir o gozo
Mas do lodo, fui
Tântalo
De Orfeu, o grito oco
No limbo esquálido, fui
Tarobá
Colecionamos frases do
quanto não sabemos nada do amor...
Ela havia se entregue a
um “amor” onfalópsico...
Crio amores neoplatônicos
E isso é coisa de bovarismo
Só que um bovarismo sem adultério
Ou sem o sexo hedonista
do epicurismo
Isso é coisa que
inventei...
Não precisei me matar
Eu já estava morto
Essas elucubrações em
frente ao espelho
Fizeram-me voltar atrás
Elas próprias mataram
aquele estouvado que eu chamava de “amor”
Que é isso de amor?
Que paira sobre o
telhado aguado, mas não encontra pouso?
Que é isso de amor?
Que vive acorrentado
pelos olhos, mas não deixa a luz acesa?
Que é isso de amor?
Que não sabe que horas
são, mas lamenta por todos já terem ido embora?
Que é isso de amor?
Quis atravessar o
espelho para alcançar o lado avesso de mim e limpar a sujeira por dentro
Mas não precisamos de
espelho para tanto
Ele tenta, contumaz,
nos proporcionar o que não vemos do lado de fora
Meus olhos não me veem
face a face, não se veem
O espelho é só uma
sombra que nos deforma
E nunca nos dá em
reflexo precário o que realmente somos
Espelho da face são os
olhos alheios
E ver a si mesmo por
dentro vai além da física vulgar ou dos olhos dos outros
Vê-se pelo espelho do
intelecto, da psique, do espírito
Este, por sua vez, reduziu-me
a esterquilínio
Mas, das cinzas o metal
precioso
O fogo só consome o que
não é fogo e também o que é mais fraco que ele
Do esterquilínio vieram
formas que não se decompõem
E, do esterquilínio, eu
me recompus!
By Danillo Macedo
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