terça-feira, 25 de junho de 2019

Nada começa, tudo se acaba


 


Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie

– Carlos Drummond de Andrade –

 

Nada começa, se tudo se acaba...

Morre um pouco de nós

Perdoe-me a autodepreciação

O que me sobrou de resiliência

 

Por que sempre erramos?

Há muitas perguntas

Nenhuma resposta...

 

Sabe mais quem sabe menos

Mais fundo e mais lento

Caminho para a água e para o fogo

Somos quentes e frios

Por isso a Eternidade nos vomita...

 

Não sei se minha mente coincide com a alma

Para os antigos, a alma é pura e o sábio inclina para ela seu espírito

O coração inane parece coisa da carne

Não sei que fome sente o espírito

Espírito como intelecto, instintos reorientados

Não sei que comida há para tanta fome

De tanta coisa impura, talvez fome de serenidade

Quando penso demais até esqueço que tenho coração

Fica tudo meio fraco e meio forte

Minha substância do Devir cumulando neste espectro transato

 

Queria, por um só instante, ser eu mesmo...

Quando tivesse ou não vontade de sê-lo

Sei que pareço contraditório

 

Triste ver a máscara decompor meu rosto

E ter vivido menos para mim mesmo

Adornando a feiura das coisas

À sensação de não ter vivido nada

 

A felicidade é uma entrega

Não paramos de buscá-la

Torna-se mais dramático quando não chegamos ao lugar esperado

Arrastamo-nos para nos sentirmos grandes

E nos debatemos na própria pequenez

Patéticos?

Talvez sejamos quando nos batemos uns com os outros

Tentando diminuir os outros

Em padrões invisíveis de medição

Não enxergamos que somos menores que um grão de areia

Diante da variedade mágica do Universo

E mais patética a cena:

O nosso orgulho escondendo lágrimas

Até o próximo espelho verter pó e restolho

 

Quis muito fazer pelos outros

Porém, hipócrita, fazia por mim mesmo?

Andamos em círculos?

Viemos do nada, iremos para o nada?

Mesmo assim, não aprendemos nada?

Reduzimos nossa vida a menos ainda matando uns aos outros?

Quando podíamos, ao menos, ter sido partícipes de um filme feliz

Cujo enredo não fosse o terror de tentar aniquilar a felicidade dos outros

Vendendo manuais de dez passos que não podem, por ninguém, ser dados

Até que atravessássemos o muro que nos separa

Entre grades solitárias, câmeras viciadas, concertinas aflitas e cadeados que inibem a movimentação de corpos, mas sufocam mais ainda sentimentos e desejos escarmentados

 

Até ver cair o véu que cobre nossa consciência...

Tudo acaba e parece óbvio...

Acho que nada acaba...

Quando o grito ecoa até o infinito

 

Quis aproveitar cada segundo

Sem saber que não precisava ter pressa

Na fruição do término-sempiterno

Das coisas que nunca começam

Conquanto sempre se acabam

Muito embora os segundos fugissem

 

A vida é um louco tentando apanhar o vento

 

Não sei mais que idade tenho

Perdi a vida contemplando o interminável

Não sei em que ponto do tempo parei para escrever

Meus últimos versos

Porque são sempre os últimos

Tudo que existe só existe por último

Emerge na superfície das coisas

E, logo, se afunda no nada mais profundo

 

Tudo existe e se acaba, ao mesmo tempo

Existe neste estapafúrdio instante à frente de tudo

Que logo dá lugar a outro ente que o anula

A existência aniquila para tornar a existir na nova forma emprestada

Como o corpo faminto que se autodestrói no esforço que empreende tentando não se destruir...

 

Todo tempo é o último tempo

O tempo todo!

E tudo está acabado

O tempo todo!

 

Vago no tempo: uma célula errante no Cosmo

Acuada, em algum canto do Universo

Algum preceito, alguma ideia distorcida que me vigia pelas beiradas de minha existência que se dilui nas partículas do Tempo, este tempo que nos criou, nos recria e que agora nos devora...

 

Se tudo termina, o que, de fato, começou?

Se tudo começa, e recomeça, ora, o que, pois, acabou?

Dorian Gray vendo-se desmanchar no espelho...

Mas, para os antigos, sua alma retornou e pode estar em qualquer lugar agora... 



Danillo Macedo






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