domingo, 21 de abril de 2024

K.


Despreza os prazeres: é prejudicial o prazer comprado ao preço da dor

- Horácio (65 a.C. a 8 a.C.) -


K.,

Não sei entender

Não sei que é isto de fazer sem ter feito

De ser sem ter sido

Amar o prazer não é amar

O sofrimento existe para por termo

No que aflora apenas os biltres abraços da mesquinharia

Mas, só medra medo e não medra resistência por zelo

Que é o amor


Porém, de tempo em tempo

Não sei do que se trata

E talvez saibas

Embora sabendo o que não é já se pode melhor elucidar

O que isto de ser e não ser poderia ser

Sei que amar é amaro e causa quizilenta dor

É fogo que queima sem sentir e sem se ver

E não consome, pois o amor restaura

E tudo quanto se perde é fogo falaz

Chama espúria

Archote untado de gordura impura


O amor não é fogo que se apaga

É fogo que se esconde

E te penetra promíscuo pelas arestas

Não é fogo que consome

Mas, é fogo que queima

Não é coisa deste mundo

Posto que queima

E não se extingue

Não foge, não some

Embora não haja

Havendo-se sempre

Paira e te olha

E não te deixa


K.,

Não foi amor da tua parte

No teu nome tem guerra

Guerra sem causa

Sem inimigo preciso

E sem vencedor

O que é o que é?

É coisa que se pergunta

Mas, cuja resposta, humanos não têm

Se existe, porém, está do outro lado

Descaminhada nalguma estrela


Para onde vão as imagens?

Não deixam de existir

Vêm à superfície do ego para resistir


Teus olhos castanhos

Centrados nos meus

Teu corpo trigueiro

Colado no meu

Teu hálito inteiro

Perdido no meu

Teu beijo entregue

À volúpia do meu

Tua culpa estranha que o interrompeu

Tua indiferença te regelou

E condenou-me a viver para sempre

Sem direito a simplesmente morrer no desbaratino do mundo

Que desafina as notas do pensamento que te revive

É para que me cortem a cabeça

É para que me fustiguem a consciência

Que não morre, esta consciência

Que é a consciência da dor

Até que hajam te transformado nesta deusa indigna


Amei-te como Orfeu

Tendo, de Aristeu, as abelhas sufocantes

Eu, que fui o Aristeu

Que te viu aprisionada no fundo fino corpo de um fantasma

Que abria os olhos para me ver

Que movia os lábios para me dizer

Que estendia as mãos para me tocar

Mas, voltaste ao casulo escuro de uma vida cinza

Para se convencer de que fui um erro

Como quem luta contra anábases

Tal câncer no mais imaculado ser

Tendo sido esta a tua prisão

Não as lágrimas de ferro de uma falsa comoção

Senão esta apatia anêmica animada por uma vida de cores desbotadas


Não tente lavar um tecido limpo

Com nódoas em tuas mãos

Um cavalo atolado na lama

Quanto mais caminha, mais afunda

Quanto mais limpa, mais suja

Quanto mais tira, mais coloca

E te colocas no vazio cheio de merda que a vida te soçobra

Uma corda que devesse ser trocada para harmonizar o som do ruidoso cordofone

O mesmo som para o qual os ouvidos vedavas

Quando te cominava um coração mais ameno

Que silenciado, no entanto, sobejava-te ouvir o que outros ainda não têm para dizer


“Não esqueças de que não te esqueci

“Sei que podes

“Não esqueças de que tudo quanto pareceu errado

“Ao menos foi verdadeiro

“Não sei se podes, K.,

“Mas eu não me esqueci”


- Danillo Macedo - 


https://www.academia.edu/s/f19da89982/kdocx 




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