sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Minha leitura da canção "Todo Homem" interpretada por Zeca Veloso


Vou comentar o que entendi desta linda música interpretada por Zeca Veloso e que foi composta por Caetano Emanuel Viana Telles Veloso / Tom Veloso / Moreno Veloso / Zeca Veloso

19.11.2021


Assista ao vídeo e ouça a música primeiro:

https://www.youtube.com/watch?v=yjxriFArvMk


Nenhuma interpretação é “definitiva”. Esta é a “minha interpretação” realizada neste “inédito momento”... 

(Prof. Dr. Danillo Macedo)

danillomacedo@hotmail.com

https://danillomacedo.blogspot.com/


“Todo Homem”


O sol, manhã de flor e sal

E areia no batom


Para mim, neste verso, “ele”, quando eu digo “ele”, refiro-me ao “eu lírico” musical, à “voz” ou às vozes construídas(s) na composição da música, enfim, “ele” está tendo memórias de momentos felizes que, a princípio, a gente não sabe com quem é ou do que, realmente, se trata (esta provável experiência); mas, ao final da música, a gente vê que parece pressupor eventos em “família”; o conceito de “mãe” se distribui em vários sentidos ao longo da canção: “mãe como família”, “mãe como ambiente bucólico”, “mãe como a amada ou o amado” etc. Tanto a ideia de “mãe como família” quanto a de “mãe enquanto ambiente natural/sagrado/bucólico” passam a conotar esta impressão de “aconchego”. Portanto, a “voz da canção” demonstra essa paz, esse prazer, essa satisfação que é alimentada pela “energia da natureza”, ou seja,  sua “mãe”, a mãe do “homem”, dos seres vivos, que é a fonte da vida, da energia que move o mundo, da nossa “verve”, que o faz (o eu da canção) sentir toda essa vida e a agradecer por isto... 


“manhã de flor e sal / areia no batom” quer dizer, na minha opinião, um dia novo que nasce, cheio de vida, da luz do sol, remetendo ao “eu da canção” inebriado na praia com sua amada; a praia é quem deixaria na amada esta “areia no batom”... 



Farol, saudades no varal

Vermelho, azul, marrom



Agora já anoiteceu, outrora era “sol”, agora é “farol”, ou seja, já está “noite” (um movimento de ruptura entre “prazer” e “trabalho”, entre “sonhar” e “viver a realidade”, entre “sentir” e “pensar” etc.)... e, ele (o eu da canção), mais uma vez, com lembranças de tempos bons, sempre remetendo a alguma ideia de “mãe”; no verso anterior, tínhamos uma figura feminina, a mãe, a mulher, sua amada, como a “nova mãe”, ou seja, uma mãe lhe deu a vida, agora, com sua amada, ele dará novas vidas, “filhos”... porque mãe também pode ser a “mãe de seus filhos”, ou seja, “todo homem  precisa de uma mãe” remete ao mito do andrógino (pesquise sobre este mito para que o possa compreender): todo homem precisa de uma mulher/companhia que lhe complete e, juntos, deem continuidade à vida... agora, ele lembra de sua mãe materna, não como a mãe de seus filhos, mas como sua própria mãe mesmo: “saudades do varal” quer dizer aquele tempo bom que sua mãe lavava suas roupas e ele corria no quintal colorido de roupas: “vermelho, azul, marrom” etc. (reitero que esta é minha interpretação...) 



Eu sou cordão umbilical

Pra mim nunca 'tá bom



“eu sou cordão umbilical”, ou seja, agora ele não está falando da mãe de seus filhos, sua amada, nem de sua própria, nem da mãe natureza, agora ele assume o eu lírico da própria figura de uma mãe. A voz da própria mãe (os três tipos de mãe mencionados), sintetizada e dizendo “eu sou cordão umbilical” e “para mim nunca tá bom”, ou seja, mãe enquanto cuidado para sempre... o cordão umbilical representa o “cuidado”, a frase “pra mim nunca tá bom” representa “para sempre”... ou seja, mãe cuida para sempre, alimenta, dá atenção, dá suporte, dá a vida... seja a mãe biológica, seja uma pessoa, homem ou mulher, que tenha este cuidado de “mãe”, seja a natureza, seja Deus, seja uma amada ou um amado que agora será uma “nova mãe” para ele ou para ela... é por isto que se diz “todo homem precisa de uma mãe”... em outros termos, todo ser humano precisa de carinho, de atenção, de amor, de dar sequência a novas vidas, de cuidar de novas vidas... (esta é apenas uma interpretação minha...)





E o sol queimando o meu jornal

Minha voz, minha luz, meu som


Agora, eu acredito que ele esteja rememorando, mais uma vez, momentos em família: amanheceu novamente, ele já não é mais uma criança, mas agora um jovem/adulto: pois o gênero textual “jornal’ remete à leitura e, mais do que isto, a uma leitura mais madura... ele passou da correria entre os varais para o “jornal”... novo dia, agora, rotina (de uma pessoa mais madura) e que, neste instante, está mais envolvido com a música (a mesma música que sempre o envolveu)... esta inferência está presente nos termos “voz, luz e som”. Voz: ele agora é um jovem que sabe o que quer, cantar, se entregar para a música. Luz: razão, maturidade... “Som”: a voz se tornou mais do que ruídos aleatórios, mas, bem trabalhada, se converteu em “música’... 


Todo homem precisa de uma mãe

Todo homem precisa de uma mãe


Aqui o refrão que é o “ápice” de todo este percurso figurativo/metafórico... 


O céu, espuma de maçã

Barriga, dois irmãos


Mais figuras de linguagem para expressar o que, muitas vezes, em uma linguagem literal ou comum, nós não conseguiríamos fazer. Eu diria, ainda, que a língua é sempre “metáfora” ou é sempre um “esforço”, nunca aquilo que ela tenta representar, pois ela é sempre “representação”, por isso, sempre “tentativa” ou “fragmento”, para não dizer “distorção”. Logo, emana sempre metáforas das coisas que estão fora dela. Eu diria, pois, que o que chamamos de “linguagem literal” é senão o esforço extremo de reduzir ao mínimo a imanência metafórica da língua com uma linguagem pretensamente mais “pura”, com termos considerados mais “objetivos”. 

“o céu, espuma de maçã”: é quase uma sinestesia, um jogo com os sentidos físicos: eu vejo o céu como uma espuma de maçã, nublado, informe, aleatório e belo; e esta visão é tão intensa e contemplativa que eu sinto como se estivesse sentindo o “gosto” do céu, logo, é como ver a espuma de maçã, mas é também como “tomar” (beber) esta mesma espuma. 

É um momento de deleite, de contemplação, de celebração (“espumantes”); celebração do mistério do mundo e da vida: “barriga, dois irmãos” (estou prenhe da vida, sou resultado de momentos de intenso regozijo entre duas pessoas e também celebro novas vidas que surgem de mim (“barriga”) e de pessoas a mim próximas (“dois irmãos”).  


O meu cabelo negra lã

Nariz, e rosto, e mãos


A vida vai tomando forma em mim, de mim, através do meu único ser para quem o mundo, todos os dias, toma nova-velha forma. Vou me conhecendo sem jamais haver me conhecido: “o meu cabelo é uma negra lã”, assim vou se adaptando a mim, ao meu corpo efêmero na experiência única da transitoriedade física e, nisto, contemplo, espantado, a beleza das formas e das funções de meu “nariz, e rosto e mãos”. 


O mel, a prata, o ouro e a rã

Cabeça e coração


Aqui temos mais elementos de simbologia da celebração à vida e todo prazer e prosperidade que ela possa oferecer. O mel, símbolo do que há de melhor para se aproveitar, o “sumo” de todo vigor das flores e outras fontes das quais se produzem o mel. A prata, símbolo de conquista, de prosperidade, de experiência de vida etc. O ouro, símbolo maior de riqueza, de excelência etc. A rã representa boa sorte e também elementos que remetem a experiências que já foram citadas. Desta forma, o termo “rã” prova uma ligação com outros elos da música, demonstrando que palavras aparentemente aleatórias, nesta canção, se comunicam, se conectam umas com as outras. A rã, por exemplo, é sinônimo, dentre outras coisas, de “chuva”, de “fertilidade”; já comentei sobre isto: a figura da mãe como fonte da vida (“fertilidade”) e “o céu, espuma de maçã” como símbolo do acolhimento sagrado da “Natureza”. 

Nesta experiência única da vida, somos essencialmente isto e por isto a concebemos e a conduzimos até o último sopro do Universo: “cabeça e coração”, ou seja, somos “razão e emoção”. Às vezes mais emocionais, em alguns momentos mais racionais. De todo modo, precisamos manter um “equilíbrio”. Nem é bom pensar demais, inclusive tentando entender as próprias emoções, tampouco não devemos nos deixar embalar por emoções que podem nos levar a tomar decisões precipitadas. 


E o céu se abre de manhã

Me abrigo em colo, em chão


A canção termina, antes do já citado refrão que nos leva ao seu ápice, com as duas dimensões da existência humana: o ser material e o ser espiritual, o ser definido pela razão e o ser essencialmente experienciação dos sentidos no fragor das emoções. 

“o céu se abre de manhã”: de manhã é quente, é a luz da razão que nos acorda para a realidade do mundo material, para mais uma etapa do ciclo da vida. Mas, mesmo assim, nas entranhas do mundo prático e de aspecto caótico, eu ainda consigo “abrigo” e, mais do que isto, “abrigo em colo”, seja este colo (de “mãe”); seja esta figura materna em termos de acolhimento proporcionado pela “Natureza”, seja de um amado ou de uma amada que, como uma mãe, carrega em si a força de “renovar” todas as circunstâncias e de dar vida e sentimento para as coisas aparentemente rudes, formais, “racionais”, seja esta “mãe” no sentido “literal” ou como metonímia de “família”, seja esta mãe o próprio “eu da canção”, assumindo o lugar daquele que também dá nova vida e novas cores ao seu locus de enunciação, pois este “eu da canção” é “mãe” que é magma de vida (“colo”), mas é também forma material que se consubstancia em um ser concreto uma vez que tem também a habilidade de se manter no “chão”. 


Todo homem precisa de uma mãe

Todo homem precisa de uma mãe

Todo homem precisa de uma mãe

Todo homem precisa de uma mãe



Mais uma vez: “o refrão como “ápice”, como “epifania” de toda esta belíssima canção”. 


By “Danillo Macedo”





 

Postagem em destaque

Ela e Ele

Declamação para o dia da poesia, TV UFG: https://www.youtube.com/watch?v=D1peN0HQtAE Acabei por achar sagrada a desordem do meu espíri...