E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente:
Melhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente:
Melhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.
Canto IX – estrofe 93 de Os Lusíadas, de Camões (1572)
Existe uma linha que nos separa
Entre o eu e o tudo
O eu, massa informe
O tudo é a esperança da forma
Estamos verdadeiramente separados
De tudo o que está fora de nós
Frequentemente, imaginamos possuir alguma coisa
Insistentemente, desejamos tudo
E, quando finalmente nos enganamos
Porque nos é declarada a posse
Um dinheiro trocado por algo
Dinheiro que inventamos
Uma palavra dada
Um registro feito
Regozijamo-nos
A ilusão das coisas fora de nós
O carro que achamos ter
A casa que achamos ter
O cargo que achamos ter
O tempo reivindica para si
Não sei se percebemos
Nada nos pertence
Antes de o último fio desatar a existência
Tentamos, lutamos, choramos, gritamos...
Mas que droga ser tudo em vão!
Pois tudo está fora de nós...
E tudo o que está fora de nós só existe em forma de sonho
De vapor acústico
De uma sensação enganadora
Que se enrola nas entranhas do pensamento
E sopra as aparências das coisas
Somos todos miseráveis
E não possuímos, absolutamente, nada...
Peregrinos de uma estrada sinuosa
Desejamos ter, nos angustiamos
Fazemos tolices
Temos, nos angustiamos igualmente
Pois é natural a sensação de não ter, mesmo tendo...
Pois achamos que temos
E sempre nos enganamos
Por nós e pelos outros
Criamos expectativas sublimes
Fazemos falsas promessas
A nós, e aos outros...
Não porque não sabemos prometer
Senão porque todas as promessas são falsas!
Pois todas as posses são falsas!
Fora de nós...
Nasce uma grande deformação do ser
O homem que mata para matar a angústia de não ter
Ainda não tendo, mata outra vez, até à própria morte...
Odiamos, guardamos rancor e sentimentos de vingança
Sobre aqueles que mentiram para nós
Mas, mentimos o tempo todo!
Para todos
Para nós...
Nada temos
Senão a esperança de uma alma (perfeita) ...
Enquanto houver angústia, haverá vida e esperança
Essa amante cruel que devora seus parceiros
A morte vem para todos
Iludidos e desiludidos
Nada temos...
Somos todos miseráveis...
by Danillo Macedo
P.S.: Filipenses 3: 19 a 21
…19 O fim dessas pessoas é a perdição; o deus deles é o estômago; e o orgulho que eles ostentam fundamenta-se no que é vergonhoso; eles se preocupam apenas com o que é terreno. 20 No entanto, a nossa cidadania é dos céus, de onde aguardamos com grande expectativa o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, 21 que transformará nossos corpos humilhados, tornando-os semelhantes ao seu corpo glorioso, pelo poder que o capacita a colocar tudo o que existe debaixo do seu pleno domínio.