quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Tempo louco


“Às vezes, Deus não é o quanto você acredita n'Ele
“Às vezes, Deus é o quanto Ele acredita em você”

Esperei seis mil anos para viver...
Onde eu estava quando, em meu lugar, havia silêncio e trevas?
Tempo louco que me acorrenta pelos olhos e pelos dentes
Me arrasta entre cordeiros e serpentes
Tudo para: o coração, o pulmão, o amor ensandecido...
Mas, o ponteiro não para...

Seis mil anos: chegou minha vez na fila da existência e em pouco tempo já tenho que voltar...
Mas, se pensarmos bem, não é tanto tempo...
Na Eternidade, seis mil anos passam num piscar de olhos
O tempo de um pensamento qualquer
Num átimo, nunca mais haverá outro de mim
Serei uma amostra latente no silêncio e na penumbra absolutos

O que fiz de decente?
Quantos teriam vergonha ou orgulho de fazer a si mesmos esta pergunta?
Trabalhei, estudei, fui escravo de minhas próprias ilusões...
Sofri com minhas paixões...
Mas, toda dor eu resisti e dei o melhor de mim
Até no esforço que empreendo para responder a esta pergunta...

Amei tudo que eu achava que era bom
Desejei justiça contra todas as mazelas do mundo
Mas, a justiça não pode ser assistida daqui...
Se o amor verdadeiro, segundo Platão, só existe no mundo das ideias
Só um modelo que fosse perfeito poderia julgar outro que não o fosse

Vi gente matar por dinheiro, por não tê-lo
Ou por ter muito dele e não querer perdê-lo

É que o dinheiro não é um papel
É uma relação angustiante entre poder e suposto merecimento
Poder de ir, vir, fazer, possuir coisas em tempos líquidos...
A falta do dinheiro violenta a dignidade de todo homem, é verdade
Mas só do homem submetido a ininterrupto trabalho

Não queria ninguém mediando minha existência
Ou meditando meus pensamentos precários
Minha existência é tão curta
Ou talvez ela seja tão extensa que de grande parece pequena por não ser possível medir
Meus pensamentos me traem tanto...

Não queria ter que provar nada para ninguém...
A vida é curta para quem prova e quem quer a prova de alguém...

As pessoas compram pessoas, compram bens...
As pessoas se matam pela liderança de um país, mas se matam pela posse de um tênis também...

As pessoas matam por uma pilha, um ticket, uma figurinha, um anel, a peça de um dominó, um graveto empoeirado...

O homem inventa coisas: celular, tv, rádio, carro, moto, antena digital...
O homem mata outro homem por tudo isso que foi inventado...

Quem inventou o homem?
Quem inventou esse tipo de homem?

Nem todo homem é uma experiência ruim...
Quem inventou o homem inventou a possibilidade deste homem dar errado ou dar certo
Não para sempre, mas no seu tempo e no tempo de todos os homens...

Talvez haja um Céu...
Não sei se o Céu dos cristãos seria o único, mas talvez haja um Céu...

Vivo perdendo minha alma e estou o tempo todo a procurá-la pelos cantos...
Às vezes estou estirado no canto do quarto olhando para o teto
Tentando lembrar-me em que parte da casa derramei parte do meu eu disperso

Às vezes estou no verso de um poeta ermo e morto
Às vezes estou no átomo desintegrado de um tecido enterrado e roto

Às vezes minha pele, esse véu que me disfarça os desígnios tortos
Cola tanto em minha alma, como a chuva cola a pele e os tecidos envoltos

A chuva é esta deusa intrusa que se refaz na essência das coisas
Que se redime em cada ponto de nós e nos redime nos desfazendo os nós
Se entrecruza em cada fresta mal vedada, se interpõe na cerimônia mais exata
Penetra as trevas oceânicas
Perturba a celeuma diurna e reduz o grito, o pó, a espuma da cerveja em saliva etérea
Frustra o casamento sonhado, mas alimenta de amor os namorados
Invade cada fibra do gramado, rapta o pensamento demorado, funde a vida na matéria

A chuva não se vende, não se rende, às vezes tarda, mas não se curva
Entra calada em sua blusa...
Te beija a boca e vai embora sem queixumes
Te lambe os pelos mais secretos e não se pesa
Não dobra a noite com pesar macambúzio
Envolve o ar e suspira as profundezas
Ora é gelo, ora é fogo, é vapor
Te invade os fluidos, te mata, sem pundonor

Minha alma é nobre como a água
Se incorpora e vira a forma emprestada
A forma deixa a forma e vira nada...
Minh’alma escorre informe na calçada...
Vira chuva, vira bruma, vira estrela, vira as pedras na estrada...


                 
- Danillo Macedo –












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