“Às vezes, Deus
não é o quanto você acredita n'Ele
“Às vezes, Deus
é o quanto Ele acredita em você”
Esperei seis mil
anos para viver...
Onde eu estava
quando, em meu lugar, havia silêncio e trevas?
Tempo louco que
me acorrenta pelos olhos e pelos dentes
Me arrasta entre
cordeiros e serpentes
Tudo para: o
coração, o pulmão, o amor ensandecido...
Mas, o ponteiro
não para...
Seis mil anos:
chegou minha vez na fila da existência e em pouco tempo já tenho que voltar...
Mas, se
pensarmos bem, não é tanto tempo...
Na Eternidade,
seis mil anos passam num piscar de olhos
O tempo de um
pensamento qualquer
Num átimo, nunca
mais haverá outro de mim
Serei uma
amostra latente no silêncio e na penumbra absolutos
O que fiz de
decente?
Quantos teriam
vergonha ou orgulho de fazer a si mesmos esta pergunta?
Trabalhei,
estudei, fui escravo de minhas próprias ilusões...
Sofri com minhas
paixões...
Mas, toda dor eu
resisti e dei o melhor de mim
Até no esforço
que empreendo para responder a esta pergunta...
Amei tudo que eu
achava que era bom
Desejei justiça
contra todas as mazelas do mundo
Mas, a justiça
não pode ser assistida daqui...
Se o amor verdadeiro,
segundo Platão, só existe no mundo das ideias
Só um modelo que
fosse perfeito poderia julgar outro que não o fosse
Vi gente matar
por dinheiro, por não tê-lo
Ou por ter muito
dele e não querer perdê-lo
É que o dinheiro
não é um papel
É uma relação
angustiante entre poder e suposto merecimento
Poder de ir,
vir, fazer, possuir coisas em tempos líquidos...
A falta do
dinheiro violenta a dignidade de todo homem, é verdade
Mas só do homem
submetido a ininterrupto trabalho
Não queria
ninguém mediando minha existência
Ou meditando
meus pensamentos precários
Minha existência
é tão curta
Ou talvez ela
seja tão extensa que de grande parece pequena por não ser possível medir
Meus pensamentos
me traem tanto...
Não queria ter
que provar nada para ninguém...
A vida é curta
para quem prova e quem quer a prova de alguém...
As pessoas
compram pessoas, compram bens...
As pessoas se
matam pela liderança de um país, mas se matam pela posse de um tênis também...
As pessoas matam
por uma pilha, um ticket, uma figurinha, um anel, a peça de um dominó, um
graveto empoeirado...
O homem inventa
coisas: celular, tv, rádio, carro, moto, antena digital...
O homem mata
outro homem por tudo isso que foi inventado...
Quem inventou o
homem?
Quem inventou
esse tipo de homem?
Nem todo homem é
uma experiência ruim...
Quem inventou o
homem inventou a possibilidade deste homem dar errado ou dar certo
Não para sempre,
mas no seu tempo e no tempo de todos os homens...
Talvez haja um
Céu...
Não sei se o Céu
dos cristãos seria o único, mas talvez haja um Céu...
Vivo perdendo
minha alma e estou o tempo todo a procurá-la pelos cantos...
Às vezes estou
estirado no canto do quarto olhando para o teto
Tentando
lembrar-me em que parte da casa derramei parte do meu eu disperso
Às vezes estou
no verso de um poeta ermo e morto
Às vezes estou
no átomo desintegrado de um tecido enterrado e roto
Às vezes minha
pele, esse véu que me disfarça os desígnios tortos
Cola tanto em
minha alma, como a chuva cola a pele e os tecidos envoltos
A chuva é esta
deusa intrusa que se refaz na essência das coisas
Que se redime em
cada ponto de nós e nos redime nos desfazendo os nós
Se entrecruza em
cada fresta mal vedada, se interpõe na cerimônia mais exata
Penetra as
trevas oceânicas
Perturba a
celeuma diurna e reduz o grito, o pó, a espuma da cerveja em saliva etérea
Frustra o
casamento sonhado, mas alimenta de amor os namorados
Invade cada
fibra do gramado, rapta o pensamento demorado, funde a vida na matéria
A chuva não se
vende, não se rende, às vezes tarda, mas não se curva
Entra calada em
sua blusa...
Te beija a boca
e vai embora sem queixumes
Te lambe os
pelos mais secretos e não se pesa
Não dobra a
noite com pesar macambúzio
Envolve o ar e
suspira as profundezas
Ora é gelo, ora
é fogo, é vapor
Te invade os
fluidos, te mata, sem pundonor
Minha alma é
nobre como a água
Se incorpora e
vira a forma emprestada
A forma deixa a
forma e vira nada...
Minh’alma
escorre informe na calçada...
Vira chuva, vira
bruma, vira estrela, vira as pedras na estrada...
- Danillo Macedo –