quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Grito



Minha declamação no "Dia da poesia - 2019 - TV UFG": 




Meu ser subversivo
Meu eu totalmente retorcido
Ofereço-me a quem tem coração
a quem tem estômago
a quem consegue sentir
a quem consegue entender
a quem consegue digerir o bolor
respirar a fuligem
suportar a dor
Meu coração subversivo
Guia meu pensamento indômito
Ofereço-me a quem foi sufocado na lama
a quem renasceu do lixo
a quem sobreviveu tentando viver um pouco
a quem, da estrela, contentou-se com o brilho fosco
a quem não tinha sinal de rádio
nem televisão
nem ídolos criados pelos outros
sem partidos unidos contra o povo
de coração partido
ou de coração inteiro
da fé e do amor nas coisas que sorriem bobas
movidas pela esperança sempre renovada
que resistem ao medo do diferente ou desconhecido
pessoas que andam para um rumo diferente
arrastadas para trás, caminhando para frente
Por um norte insólito
Criando caminhos que não tinham pegadas
Tirando vida de onde não havia nada...



- Danillo Macedo - 




domingo, 15 de setembro de 2019

BIOLOGÍA ES DESTINO

a Freud.

Porque mi cerebro pesa
unos gramos menos
y mis músculos no alcanzan
la potencia
de los récords masculinos
dicen:
que biología es destino
(destino al servicio)

porque mis glándulas
me condenan
a desangrarme cada luna
y el olor y el color
de mi sangre recuerdan
mi poca angélica naturaleza
dice:
que biología es destino
(destino inferiorizante)

porque me falta
un protuberante sexo
entre las piernas,
que me libere del compromiso
de pasos lentos
y abultado vientre
tras un fugaz orgasmo,
dicen:
que biología es destino
(destino a pañal, escoba y cocina).

Porque la historia registra
miles de nombres masculinos
y muy pocos de mujeres
que vencieran las flamígeras espadas
de los arcángeles misóginos
de la fama,
dicen:
que biología es destino
(destino a la ignorancia)

Y con tantas evidencias,
deberemos enorgullecernos
cuando nos elogian magnánimos
en los discursos oficiales
diciendo:
detrás de cada gran hombre
hay siempre una gran mujer
y se olviden
—astutos y olímpicos—
de añadir
el calificativo justo
de: frustrada.

(en Antología poética de Luz Méndez Vega, Ayer y Hoy, 2006)




terça-feira, 9 de julho de 2019

Uma vela a um desconhecido


MINHA LEITURA: 

* Observação: errata: fiz uma correção (quero dizer "melhora") nos versos:

Onde se lê: Poderia ter sido por qualquer outra coisa material, pois não era material a “causa”, nem era material a “coisa”...

Agora se lê: Poderia ter sido por qualquer outra coisa material, pois não era mais material a “causa”, nem era mais material a “coisa”...



Minha declamação no "Dia da poesia - 2019 - TV UFG": 

https://www.youtube.com/watch?v=XqIn5_IXfsY


Ver a vida se esvair entre os dedos
Filho do medo da noite
Anjo torto, anjo negro

Saiba que tudo poderia ter sido diferente
Ou tu te entregas ao teu destino
Ou ele te arrasta pelo caminho

O sangue quente sobre o lodo lúgubre
Contorcia-se entre suas vísceras
Sua condição deplorável
Sua vida custava menos que nada



Tantos problemas e frustrações
Não sei se as coisas são justificadas por outras
Talvez possam ser explicadas, mas não justificadas

Ninguém pode justificar as ações de outro homem
Ninguém pode condenar as ações de outro homem
As coisas se explicam, mas não são boas nem ruins

Às vezes, não existe nem o Bem nem o Mal
Existe o homem que quer ser e ter o que é, e tem, outro homem

Deus pode ser bom e ruim, o Diabo também pode
Depende de quem os idealiza, como o faz, e a serviço de qual interesse estiverem




Há pessoas que escolhem Deus, outras, o Diabo
Deus já foi criado e recriado milhares de vezes desde o dia em que nasceu, mas não sabemos em que dia ele nasceu
Talvez nunca tenhamos nascido também
Não existe “o dia” de nossa morte
Numa bela noite ou num belo dia em que o nosso sangue resplandecerá no asfalto, assim, de repente, morreremos?
Não, meu igual, já nascemos mortos, expulsos ou enviados de um outro lugar, de um outro plano, em que nos veremos face a face, sem máscaras e uniformes a serviço do sistema fábrica de ratos no qual tentamos bater nossas “metas”...

Natimortos, todos os dias morremos um pouco...
Alimentamos a fração diária da morte de nosso corpo...
Que não morre “de repente”...


Há pessoas que confundem os dois e escolhem a ambos
Há pessoas que mesmo sem confundi-los não escolhe nenhum deles
Há pessoas que são escolhidas por eles
Quando, no final das contas, não existem nem o Bem, nem o Mal
Apenas humanos desorientados nas veredas do Caos


Numa torre em espiral que leva, presunçosamente, ao Céu
Mas que, ao final, só há frio, penumbra e a Terra a cinco mil pés lá em baixo
No ponto inicial da sua quimera capitalista
Interrompida pelo desentendimento entranhado dos homens
Mergulhados em ideologias fabricadas por suas desilusões, suas fantasias de mundo ideal
Sufocando a paz da maioria
Financiando de angústia vidas que poderiam ter dado certo, no tempo delas
Não há paz onde não há liberdade
E Deus segue sendo criado para homens que se escondem atrás de leis pueris
E o Diabo faz festa, mas Deus e Diabo, aqui, são o mesmo ator, atuando em lugares e horários diferentes




Talvez exista o Bem e o Mal
Mas, nem sempre existe Deus e Diabo
Pelo menos, não nas ocasiões em que confundimo-nos com títeres em ternos alinhados
Que se escondem atrás de planilhas, processos vazios, microfones, cartilhas e câmeras...
Distribuem, todos os dias, seus panfletos: Manifesto à Hipocrisia!
Buscando, como cães famintos por ruas que exalam o fedor de dentro das casas fortemente protegidas, que guardam seus segredos absconsos, algum sentido para suas vidas que seja um pouco maior que propor conjecturas sobre o que as pessoas deveriam ser, baseados no que eles sequer sabem quem são...

Seus pensamentos definham em sistemas de racionalização burocráticos
Até para atravessarem a rua precisam abrir o manual do funcionamento dos seus passos, milimetricamente medidos para se encaixarem no mais perfeito modelo de “orientação”...

Sem paradigmas, preceitos, padrões importados, é como se andassem nus e descalços...

Destituídos de suas funções socialmente estabelecidas, são menos que as moscas, pois não possuem nenhuma utilidade no círculo natural da vida...

O Bem, às vezes, flana absorto por uma rua
O Mal, às vezes, veste uma suntuosa batina e decide acampar, insidiosamente, no alcândor de uma cruz




Talvez existam Deus, Diabo, o Bem, o Mal
Prova disso, são os substantivos que os designam
Porém, o sentido das palavras não dependem só de substantivos
Sequer sabemos quando são concretos ou abstratos
Nós mesmos oscilamos entre nossa vida ora concreta, ora abstrata...
            Todos eles, na verdade, podem ser sempre os dois!
E, desse modo, não se detêm nas coisas estáticas e definitivas...
Nem nossa vida jamais fora estática e definitiva...

Talvez, Deus resolveu abandonar uma igreja e ir visitar algum coração...
            Talvez, o Diabo resolveu abandonar um coração e ir visitar alguma capela...
Talvez, o Mal seja tão dissimulado que não consegue sequer ser subversivo...
Seu grande prazer, na realidade, seria se impor pelas ruas da vida, encarcerada nos padrões cosmopolitas, ostentando fardas, aparatos faustosos, ternos e togas carmesim...




Como os “doutores” de Blaise Pascal, que ludibriam a coletividade simples com suas oratórias complexas, e, quando não as têm, apelam para indumentárias majestosas...

            Ideologias que agonizam nos menores fragmentos de vida...
            Retóricas os exploram; no entanto, imagens de perfeição também os violam...

Não possuem percepção de sua alma interior, como a alma do alferes de Machado de Assis, que se perdia nas coisas do lado de fora e, para achá-la, vestia-se de alferes e ficava se contemplando, todos os dias, no espelho...
Não distinguia objetos de pessoas...
Nem sabia quando deixava de ser uma pessoa para se converter num objeto decomposto...

Talvez, o Bem resolveu descansar um pouco na barbatana de um animal marinho, no bicho-da-seda, na porosidade da pele de um camelo, numa estrela que olho nenhum pode ver; num planeta em que a vida não é esmagada pela gravidade, nem pelo peso da falsidade...




Era uma noite como qualquer outra
Ouvia, despretensiosamente, the pigs, de Pink Floyd...




Mas, como eu dissera, eram muitos os problemas e frustrações
E tudo se condensou nessa massa espectral
Veio tudo e se derramou ali, em forma de “vilão”
Era o Bem do que queria roubar-lhe um “bem”?
Ou era o Mal de quem queria justificar seus problemas lhe infligindo pânico, dor e a perda definitiva de sua vida?

Seu reflexo de luz indecisa foi escorrendo em sulcos fininhos pelas frestas das deformações da calçada, que não foi assim, tão bem vigiada; talvez, é sempre talvez... quem a devesse cuidar estivesse mais preocupado com sua farda impecavelmente alinhada: entre o lodo, o vento gélido e o nada...




Um celular!

No juízo final (o único “juízo” verdadeiro na vida, ou melhor, após a vida de um homem), não havia perplexidade; almas não sentem dor, nem ansiedade, pois veem diante de si a Eternidade...

Não há rancor, não há nenhum tipo de sentimento de vingança, de perda...
Há apenas amor e ódio; amor infinito, por aqueles que receberam perdão infinito e ódio igualmente inesgotável, por aqueles que receberam uma reprovação já esperada...



Não sei dizer sobre o Inferno, sobre o Céu, sobre culpados e absolvidos...
No entanto, ambos estavam ali, desmaterializados; um sem o afã de subtrair algo de valor, outro sem a compulsão de preservar suas posses transitórias...

Não sei descrever este momento, não sei onde termina a ficção e começa a realidade...

Mas, de uma coisa sei, não posso julgar nem um, nem outro...

Sou juiz das minhas próprias reflexões, mas não sou juiz dos desígnios dos outros...

Só posso dizer que ali, neste momento ideal, nada mais importava... talvez perdão, talvez alívio, talvez dúvidas, talvez perplexidade ao ver que tirara a vida de um homem por um motivo tão fútil; mas, a vida lhes parecia, aos dois, tão fútil, tudo era tão monótono, tão enfadonho... talvez morto e matador quisessem mesmo ter se encontrado; talvez fosse o destino cumprindo seu encontro sarcástico, a conjunção espiritual entre o ocaso, a vida, a dor e a morte...

Foi por causa do celular? (Um objeto inanimado, concreto, aparentemente concreto?)
Ou o celular represava além de si um sentido espúrio muito maior que sua carcaça sintética; maior que substantivos, adjetivos, títulos de matérias nos jornais?!

Foram almas em desordem, sem mais nenhuma afinidade com a homeostasia da vida?

Duas vidas inclinadas para o caos...

Poderia ter sido por qualquer outra coisa material, pois não era mais material a “causa”, nem era mais material a “coisa”...

Era de outra ordem, ao avesso das coisas, no plasma das suposições...

Duas vidas condenadas a se conjugarem na aniquilação de si mesmas

Um tentou pegar o celular, o outro recusou e tentou recuperar o objeto; aquele atirou quatro vezes, este morreu com o celular ao peito; aquele fugiu pelas calçadas inteiriças, por onde caminhava este, distraído, em direção ao ponto de ônibus; aquele foi morto logo em seguida pela força repressiva do Estado... e este foi o estado em que ambos ficaram...




Nas casas, onde chegava a notícia transmitida pelas novas tecnologias, alguns comiam sem dar atenção ao que alto-falantes reproduziam mecanicamente, no mesmo ritmo de suas vidas: reproduzidas mecanicamente...

Esses ruídos emitidos pela TV já faziam parte da rotina das casas... a TV se alimenta do  barulho e da distorção...




Outros esboçavam lágrimas sem compreender o porquê daquela atrocidade toda meu Deus!!! “Bandido bom é bandido morto!”: era a frase pronta que alguns balbuciavam para si mesmos e a que outros ainda acrescentavam gestos enérgicos, como que inconformados!

Os mais espiritualistas, ou espirituais, desculpem-me a falta de habilidade no uso destes termos, acendiam, projetadas a algumas imagens, ou não, mas no simples ato de acender e rezar um terço, uma ou algumas velas àqueles proscritos desconhecidos...



Dois proscritos... criados no mesmo “laboratório social”, encontraram-se no ponto exato em que aconteceria o clímax do espetáculo reservado a eles: (como tudo se junta, como tudo se organiza para se tornar novamente uma nova projeção do desordenado das coisas) protagonistas da mesma história; atores que serão, de agora em diante, substituídos por outros novos atores, sem rancores, pois “nada é pessoal”...

Que continue este espetáculo especial da vida, cujo lema é: “venha, você pode ficar rico se quiser, só precisa trabalhar duro!”




Só se esqueceram de uma coisa, antes de seguirem adorando a própria imagem no espelho: de dizer que muitos se enriquecem, materialmente, transitoriamente, é verdade, porém, quando não se dá à custa do trabalho duro dos outros, custa ou a liberdade ou o sangue de milhares e milhares de pessoas... Não me refiro a objetos ou coisas, padronizadas ou não, mas, simplesmente, pessoas: que sentem, que amam, que queriam suas vidas para elas, enquanto elas durassem, na Eternidade de suas pequenas conquistas...





– Danillo Macedo – (07/07/2019)




terça-feira, 25 de junho de 2019

Nada começa, tudo se acaba


 


Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie

– Carlos Drummond de Andrade –

 

Nada começa, se tudo se acaba...

Morre um pouco de nós

Perdoe-me a autodepreciação

O que me sobrou de resiliência

 

Por que sempre erramos?

Há muitas perguntas

Nenhuma resposta...

 

Sabe mais quem sabe menos

Mais fundo e mais lento

Caminho para a água e para o fogo

Somos quentes e frios

Por isso a Eternidade nos vomita...

 

Não sei se minha mente coincide com a alma

Para os antigos, a alma é pura e o sábio inclina para ela seu espírito

O coração inane parece coisa da carne

Não sei que fome sente o espírito

Espírito como intelecto, instintos reorientados

Não sei que comida há para tanta fome

De tanta coisa impura, talvez fome de serenidade

Quando penso demais até esqueço que tenho coração

Fica tudo meio fraco e meio forte

Minha substância do Devir cumulando neste espectro transato

 

Queria, por um só instante, ser eu mesmo...

Quando tivesse ou não vontade de sê-lo

Sei que pareço contraditório

 

Triste ver a máscara decompor meu rosto

E ter vivido menos para mim mesmo

Adornando a feiura das coisas

À sensação de não ter vivido nada

 

A felicidade é uma entrega

Não paramos de buscá-la

Torna-se mais dramático quando não chegamos ao lugar esperado

Arrastamo-nos para nos sentirmos grandes

E nos debatemos na própria pequenez

Patéticos?

Talvez sejamos quando nos batemos uns com os outros

Tentando diminuir os outros

Em padrões invisíveis de medição

Não enxergamos que somos menores que um grão de areia

Diante da variedade mágica do Universo

E mais patética a cena:

O nosso orgulho escondendo lágrimas

Até o próximo espelho verter pó e restolho

 

Quis muito fazer pelos outros

Porém, hipócrita, fazia por mim mesmo?

Andamos em círculos?

Viemos do nada, iremos para o nada?

Mesmo assim, não aprendemos nada?

Reduzimos nossa vida a menos ainda matando uns aos outros?

Quando podíamos, ao menos, ter sido partícipes de um filme feliz

Cujo enredo não fosse o terror de tentar aniquilar a felicidade dos outros

Vendendo manuais de dez passos que não podem, por ninguém, ser dados

Até que atravessássemos o muro que nos separa

Entre grades solitárias, câmeras viciadas, concertinas aflitas e cadeados que inibem a movimentação de corpos, mas sufocam mais ainda sentimentos e desejos escarmentados

 

Até ver cair o véu que cobre nossa consciência...

Tudo acaba e parece óbvio...

Acho que nada acaba...

Quando o grito ecoa até o infinito

 

Quis aproveitar cada segundo

Sem saber que não precisava ter pressa

Na fruição do término-sempiterno

Das coisas que nunca começam

Conquanto sempre se acabam

Muito embora os segundos fugissem

 

A vida é um louco tentando apanhar o vento

 

Não sei mais que idade tenho

Perdi a vida contemplando o interminável

Não sei em que ponto do tempo parei para escrever

Meus últimos versos

Porque são sempre os últimos

Tudo que existe só existe por último

Emerge na superfície das coisas

E, logo, se afunda no nada mais profundo

 

Tudo existe e se acaba, ao mesmo tempo

Existe neste estapafúrdio instante à frente de tudo

Que logo dá lugar a outro ente que o anula

A existência aniquila para tornar a existir na nova forma emprestada

Como o corpo faminto que se autodestrói no esforço que empreende tentando não se destruir...

 

Todo tempo é o último tempo

O tempo todo!

E tudo está acabado

O tempo todo!

 

Vago no tempo: uma célula errante no Cosmo

Acuada, em algum canto do Universo

Algum preceito, alguma ideia distorcida que me vigia pelas beiradas de minha existência que se dilui nas partículas do Tempo, este tempo que nos criou, nos recria e que agora nos devora...

 

Se tudo termina, o que, de fato, começou?

Se tudo começa, e recomeça, ora, o que, pois, acabou?

Dorian Gray vendo-se desmanchar no espelho...

Mas, para os antigos, sua alma retornou e pode estar em qualquer lugar agora... 



Danillo Macedo






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Ela e Ele

Declamação para o dia da poesia, TV UFG: https://www.youtube.com/watch?v=D1peN0HQtAE Acabei por achar sagrada a desordem do meu espíri...