sábado, 3 de abril de 2021

A Super Funai

 

MINHA LEITURA



XVII

 

A Super Funai

 

Primeiro, vamos matar todo mundo que se recusar a seguir nosso propósito: encontrar ouro, plantar soja, vender carne para os chineses. Depois, daqui a centenas de anos, vamos inserir quem tiver restado deste povo à nossa cultura, mas, vamos fazer isso à força: se não for na base do chicote, vai ser na base da nossa lei. A lei é para ser seguida, vai ter polícia para isso. A lei do convencimento não existe, é porrada que convence. Terras para eles? Só para se distraírem mesmo, a maioria das terras vamos tomar tudo. A gente quer plantar, mas não para comer, mas para estocar e vender para quem tem dinheiro. Quem tá com fome que trabalhe, se não achar trabalho que vá procurar comida no lixo. E, se precisar, a gente vende até para fora, quem pagar melhor a gente vende, pode ser até para o Estado Islâmico. Quando a gente mesmo tiver fome, a gente manda fazer ou manda trazer, dinheiro não é problema, dinheiro é mato, o que tá faltando é liguinha para amarrar.

Esse povo tem que trabalhar para nós mesmo, fica ai se pintando, fazendo dancinha ao redor da fogueira, para que isso? Cadê a roupa desse povo? Mas, não tem nada não, como eu já falei, depois a gente põe esse povo num canto qualquer, numa terra qualquer, desde que não atrapalhe a gente. Para um tal de Direitos Humanos não ficar enchendo o nosso saco, a gente manda as escolas falarem desse povo, só para constar mesmo, só para pagar nossa dívida genocida. Sabe como é, né? “Valorizar a memória”. No presente, a gente toca o terror, depois a gente cria essa onda de “valorizar a memória”. E que todo mundo entenda que isso ficou no passado, estaremos perdoados!

E para que serve a Funai? Ah, tá, vou te responder. Inventaram a Funai pelo mesmo motivo que inventaram call centers: “não deixa esse povo chegar perto de mim não, resolve com esses merdas ai!” Vou explicar melhor. A Funai foi inventada para não termos que matar mais indígenas, mas sim mantê-los em parques temáticos e peladões nos livros de História.

Quer saber? Tinha que acabar com isso. Isso mesmo, o indígena somos eu e você, somos todos nativos da Terra. Se é para terem a cultura e a tradição deles preservadas, então os deixemos lá na floresta, em paz, com suas próprias leis, sem nossa interferência e eles sem interferir no nosso modo de viver. Estou sendo agressivo de mais? Talvez até anti-humanista ou algo assim. Mas, opinião é para ser dada, e nenhuma é definitiva. O que creio é que tinha que acabar com isso. Por outro lado, se é para inseri-los, então vamos inseri-los. Mas, de verdade, como qualquer outra raça ou etnia. Que estudem, que façam faculdade, que trabalhem e este passará a ser o “indígena moderno”. O indígena bruto deixa para o Ubirajara.

A Funai tem a função de preservar o território indígena, assim como o de fomentar a preservação de sua tradição e de sua cultura. História para boi dormir! A Funai é só mais um órgão corrupto dentre tantos outros que dissimulam a verdade, que arrastam seus grandes corpos pesados em direção a nada, esmagando nossas reais necessidades. Quem é que está falando aqui? Ei, não sou dono da verdade! É minha opinião... A Funai é o filho sínico do pai corrupto: o genocida SPI. Te machuquei? Bom, posso estar errado... Só estou tentando ver as coisas desde os seus extremos... Demos direitos aos indígenas para gozarmos o prazer de não cumprirmos nenhum deles: somos uma sociedade, além de facínora, hipócrita!

A Funai também tem o papel de promover, aos indígenas (sendo a Funai idealizada e controlada por pessoas que não são indígenas!), a chamada “educação indígena”. O que dá um grande nó em minha cabeça: “educação” e “indígena”! A educação tem uma história totalmente indiferente à cultura indígena. Nem mesmo o termo “indígena” tem origem “indígena”! Queremos ensinar o que, exatamente, aos indígenas? Como exercerem profissões pueris, mal remuneradas, exaustivas, subservientes? Ou será que são as contas de base 10? Ah, sim, talvez sejam histórias de homens brancos que se auto declararam grandes heróis. Francamente!

Não sei, com exatidão, o que seria o mais correto. Mas, tenho certeza de que muita coisa não está certa! Ah, isto eu sei, isto todo mundo sabe...

Em qualquer processo, enfim, haverá falhas, mesmo que quase invisíveis. Há órgãos como a Funai, para a proteção dos índios, e o Ibama, para a proteção do meio ambiente; porém, de modo geral, os agentes que atuam em nome dessas instituições acabam por ultrapassar a margem da preservação cultural e não preservam nada, apenas seguem protocolos criados por pessoas não indígenas para insinuar ao mundo que algo está sendo feito para proteger os “bichinhos selvagens”.

Um exemplo de falta de preparo é a alfabetização mal planejada de crianças indígenas (não que isso signifique que toda intervenção e todo contato com a cultura indígena seja mal planejada e ruim), fazendo-os esquecer sua própria língua, obliterando a plenitude da cultura que, pela língua e produzindo língua, se recuperaria, se fortificaria.

São muitos os paradoxos, mas o que me dá náuseas mesmo são as contradições. Muitos valores estão em jogo; há discursos que operam na criação de valores e que dirimem muitos outros. Contudo, não são só discursos que distorcem a realidade; são, principalmente, as condições que garantem a produção deste tipo de discurso: condições criadas, modificadas, adulteradas, provocadas... E... enfim, mais uma vez: muitas reticências...


bY DANILLO MACEDO







Indígenas ou não, votemos?

 

MINHA LEITURA


CRÔNICA XI


Indígenas ou não, votemos?

 

O indígena pode ou não votar? Ele pode ou não acumular bens? Pode ou não ser ele mesmo? Quais suas prerrogativas? Não há suposto privilégio que compense o genocídio, que compense a violação de uma cultura milenar, violação irreparável. Isto é verdade? Mas, assim como muitos povos antigos já se extinguiram e tornaram-se novos povos, considerados, hoje, “civilizados”, como é o caso dos francos, dos godos, dos hunos, etc., os povos indígenas não deveriam fazer o mesmo? É confortável se acomodar aos cuidados, não tem bem cuidados, da Funai? Temos condições e o direito de fazer tão complexos julgamentos?

São muitas perguntas, quase nenhuma resposta definitiva. Segundo a legislação própria para as questões indígenas, eles não podem alienar bens, pertencentes à sua terra e à sua cultura, para “enriquecer”, mas que sejam utilizados tão somente para a sua subsistência (quer dizer que “não indígenas” é quem determina o que “indígenas” devem ou não devem fazer?). Se ele pode ou não ser ele mesmo é uma questão filosófica, política, religiosa, cultural, muito complexa, historicamente incompleta, que não se impõe de forma definitiva.

Não acho que haja grandes “privilégios” aos indígenas distanciados da sociedade que se considera “superior” e “normal”, vejo mais desprezos e estigmas. De todo modo, como eu disse, milhares de povos antigos, como os visigodos que dominaram a Espanha, os Germânicos que o fizeram à Alemanha, “evoluíram” na direção de melhores condições de habitação, locomoção, comunicação, produção de bens de consumo e entretenimento etc. É claro que, inevitavelmente, esta reflexão nos leva a nos perguntar: por que os povos indígenas não caminharam na mesma direção de um “desenvolvimento” bélico, político, tecnológico, etc.? Cabe a nós julgarmos isto? Que prevaleça, ao menos, entre o sonho, a realidade e a utopia, a convivência respeitosa.

Deixo, por fim, a tentativa de responder a uma última questão: diante de todas as adversidades, o indígena ainda é obrigado a “votar”? Não, o nativo, se ele fizer prevalecer a cultura de sua comunidade, alheia a questões políticas europeizadas, ele não é obrigado a votar. Pode até se aposentar com auxílio da Funai, mas obrigado a votar ele não deve e não pode ser. Voltemos, pois, abrindo um parêntese, ao questionamento referente a possíveis “prerrogativas” e, poderíamos concluir que se houvesse alguma, esta, então, seria uma delas: não ser obrigado a “votar” em nenhum dos parasitas encrustados no poder desde o Brasil Colônia e o Brasil Império.

A população brasileira, e um milhão de vezes mais o indígena, não se sente parte das decisões políticas, pois está historicamente condicionada a aceitar a ideia (e esta aceitação faz desta “ideia” um “fato”) de que somente se faz partícipe da vida pública na ocasião em que seria obrigada a manifestar seu “voto”. É penoso pensar assim, mas após o exercício civil do voto, voltamos a ser apenas uma engrenagem, no sentido lato do termo: aquela que pode ser trocada, e que pode ser jogada fora.

Este estado de coisas, porém, deveria mudar. Pois nem a Natureza e tampouco este suporte social que sustenta nossas relações, irão suportar: a indiferença, as intolerâncias, a hipocrisia não salgarão para sempre a podridão das ações medíocres dos homens, entregues a atos corruptos: fascistas, genocidas, pervertidos, etc., que degeneram a máquina invisível, como é mesmo de sua natureza degenerativa, criada por várias personalidades dúbias ao longo da História. Uma sociedade imersa em tramas políticas que através das quais se visa apenas o benefício próprio: vale tudo para silenciar os que lhes incomodam, enquanto chafurdam em suas falcatruas e nas mais diversas atrocidades.

É preciso um modelo muito mais sustentável, sem a obsessão por lucro, mas que devolva à Terra seus recursos. Os indígenas ainda praticam a agricultura de subsistência, é por isso que eles se recusaram e ainda se recusam a viver essa quimera ocidental de “civilidade”. Ambos os modos de vida, ressalvados seus paradoxos, são válidos. Os indígenas podem aprender com nossa tecnologia, mas também deveríamos aprender com sua austeridade bucólica. Não trata-se de um melhor que outro, trata-se de erradicar a corrupção, a hipocrisia e inserir o indígena no universo intelectual, econômico, político, sem coerção e sem mais genocídio (e esta inserção na cultura, na intelectualidade, deveria ser um exercício mútuo).

Talvez seja uma nova utopia: que os meios de produção e de consumo fossem do acesso de todos, oriundos das mais diversas culturas. Serei tolo, serei um patético comunista: é o que dizem sempre que alguém esboça preocupação em melhorar a vida do outro (que ele estude, que ele trabalhe!). Sim, que ele estude, que ele trabalhe, que ele adquira conhecimento útil à sua ascensão como pessoa, que ele receba um salário digno, tudo isto é verdade, que tudo isto saia de toda nossa teoria falaciosa e que o meio em que ele (o indígena, homem ou mulher, assim como cada um de nós...) vive dê a ele (ou a ela) condições de ir e vir, de usufruir de lazer e cultura e que, por fim, sejamos tratados como seres humanos: nós sentimos, nós pensamos, nós sonhamos; não somos apenas uma engrenagem desprezível, usada para fazer número em dia de voto (ou pelo menos não deveríamos ser!).

Falta “vontade política”, não é verdade? O mundo começa a melhorar quando mudamos nosso mundo, quando “arrumamos nosso quarto”. Nativos ou europeizados. Quanto á nós, votemos, portanto? Para quê? E quem somos nós? Somos todos nativos da mesma terra e itinerantes da mesma viagem que nos levará de volta ao pó. Decidiremos quem teremos sido, se cuidamos bem ou não do lugar que nos acolheu, ou se tudo o que fizemos foi ultrajar nossa própria e insubstituível história.

Sim, votemos, nunca vendamos nosso voto, é repulsivo. Já não temos os melhores candidatos, ainda haveremos de prostituir a nossa ínfima e duvidosa manifestação eletrônica de vontade? Enfim, votemos nos menos piores, naqueles que não são oriundos de famílias que estão no poder desde a Era Paleolítica. Ajudemos uns aos outros, aos nossos vizinhos, aos nossos irmãos indígenas; cuidemos do lugar onde vivemos, tenhamos esperança em uma sociedade mais justa e que nossos descendentes possam viver em um lugar onde prevaleça a paz (que tenhamos descendentes!).


By Danillo Macedo




quinta-feira, 1 de abril de 2021

Por que os bichos não falam mais - MINHA LEITURA


MINHA LEITURA



V 

                                                   Por que os bichos não falam mais


Antigamente, havia muita fartura, os povos nativos viviam bem do que plantavam, pescavam e caçavam. Antes eram nômades, depois é que aprenderam a plantar e passaram a se estabelecer por mais tempo em determinadas regiões, geralmente ribeirinhas. Era uma vida simples, respeitavam os ritos de preparar a terra, plantar, cuidar e depois colher o que plantavam. Quanto ao que pescavam e caçavam, era ainda mais trivial, pois todos os bichos falavam a mesma língua que os homens. Assim, quando um guerreiro caçador (o guerreiro Caiapó, por exemplo) queria apanhar algum bicho para a sua próxima refeição, para acompanhar as iguarias feitas da mandioca, bastava ele falar algo assim:


— Capivara, minha amiguinha, vem aqui, tenho uma história para te contar, vem.


 A Capivara respondia:


— O que você quer, seu Caiapó mateiro? Deixa eu seguir meu caminho. Vai plantar mandioca, vai!


E o guerreiro insistia, ardilosamente:


— Para com isso, Capivarinha querida, está achando que vou te comer, é? Eu só quero um conselho, na verdade, uma informaçãozinha. Você conhece a mata muito melhor do que eu e estou perdido aqui. E, além do mais, nem estou com fome, já comi um bocado de cuscuz hoje. Ai, ai, Capivara, me ajuda, por favor! Vem que vou te dar umas plantinhas top para você experimentar, Capivarinha linda, meu amor.


A Capivara acreditava, finalmente, no guerreiro Caiapó e, então, ia até ele, perguntava a ele o que era, então, que ele queria e “ZAP!”, ele dava um rápido golpe de borduna na cabeçona dela e, pronto, mais proteína para ele apreciar com os derivados da macaxeira. 


Faziam isto, todos os indígenas da Terra, Caiapós ou não, antes mesmo do contato com o homem branco, e faziam-no com todo tipo de animal, que consideravam bons para se comer. Até que um dia, o Macaco, o bicho mais velhaco de todos, afastou-se totalmente dos homens, não falava mais uma só palavra com eles. E, assim, foi instruindo a todos os outros animais, um por um, a fazerem o mesmo.


 — Ei, Cutia, vou te contar e você conta também para todos os outros animais que você conhecer, tá bom? Não falem, nunca mais, com os homens! Eles falam com a gente para depois nos apanhar e nos fritar ou assar e a gente vai parar num prato Master Chef acompanhando de cuscuz e cauim.


Esta estratégia do Macaco, entre idas e vindas, de galho em galho, falando, falando, com tudo quanto é bicho, por fim, deu certo e, até hoje, nenhum animal fala a língua dos homens mais. Ao final, os animais descobriram que os homens se comunicavam com eles para dominá-los; o que persuadia mais dominava o mais frágil intelectualmente ou o que tinha alguma fraqueza da qual o homem se aproveitava: como a inveja, a ambição, a ira, a ganância, a preguiça, a gula, entre outras vicissitudes.

 BY DANILLO MACEDO




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