MINHA LEITURA
CRÔNICA XI
Indígenas
ou não, votemos?
O indígena pode ou não
votar? Ele pode ou não acumular bens? Pode ou não ser ele mesmo? Quais suas
prerrogativas? Não há suposto privilégio que compense o genocídio, que compense
a violação de uma cultura milenar, violação irreparável. Isto é verdade? Mas,
assim como muitos povos antigos já se extinguiram e tornaram-se novos povos,
considerados, hoje, “civilizados”, como é o caso dos francos, dos godos, dos hunos,
etc., os povos indígenas não deveriam fazer o mesmo? É confortável se acomodar
aos cuidados, não tem bem cuidados, da Funai? Temos condições e o direito de
fazer tão complexos julgamentos?
São muitas perguntas,
quase nenhuma resposta definitiva. Segundo a legislação própria para as
questões indígenas, eles não podem alienar bens, pertencentes à sua terra e à
sua cultura, para “enriquecer”, mas que sejam utilizados tão somente para a sua
subsistência (quer dizer que “não indígenas” é quem determina o que “indígenas”
devem ou não devem fazer?). Se ele pode ou não ser ele mesmo é uma questão
filosófica, política, religiosa, cultural, muito complexa, historicamente
incompleta, que não se impõe de forma definitiva.
Não acho que haja
grandes “privilégios” aos indígenas distanciados da sociedade que se considera
“superior” e “normal”, vejo mais desprezos e estigmas. De todo modo, como eu
disse, milhares de povos antigos, como os visigodos que dominaram a Espanha, os
Germânicos que o fizeram à Alemanha, “evoluíram” na direção de melhores
condições de habitação, locomoção, comunicação, produção de bens de consumo e
entretenimento etc. É claro que, inevitavelmente, esta reflexão nos leva a nos
perguntar: por que os povos indígenas não caminharam na mesma direção de um “desenvolvimento”
bélico, político, tecnológico, etc.? Cabe a nós julgarmos isto? Que prevaleça,
ao menos, entre o sonho, a realidade e a utopia, a convivência respeitosa.
Deixo, por fim, a
tentativa de responder a uma última questão: diante de todas as adversidades, o
indígena ainda é obrigado a “votar”? Não, o nativo, se ele fizer prevalecer a
cultura de sua comunidade, alheia a questões políticas europeizadas, ele não é
obrigado a votar. Pode até se aposentar com auxílio da Funai, mas obrigado a
votar ele não deve e não pode ser. Voltemos, pois, abrindo um parêntese, ao
questionamento referente a possíveis “prerrogativas” e, poderíamos concluir que
se houvesse alguma, esta, então, seria uma delas: não ser obrigado a “votar” em
nenhum dos parasitas encrustados no poder desde o Brasil Colônia e o Brasil
Império.
A população brasileira,
e um milhão de vezes mais o indígena, não se sente parte das decisões
políticas, pois está historicamente condicionada a aceitar a ideia (e esta
aceitação faz desta “ideia” um “fato”) de que somente se faz partícipe da vida
pública na ocasião em que seria obrigada a manifestar seu “voto”. É penoso
pensar assim, mas após o exercício civil do voto, voltamos a ser apenas uma
engrenagem, no sentido lato do termo: aquela que pode ser trocada, e que pode
ser jogada fora.
Este estado de coisas,
porém, deveria mudar. Pois nem a Natureza e tampouco este suporte social que
sustenta nossas relações, irão suportar: a indiferença, as intolerâncias, a
hipocrisia não salgarão para sempre a podridão das ações medíocres dos homens,
entregues a atos corruptos: fascistas, genocidas, pervertidos, etc., que
degeneram a máquina invisível, como é mesmo de sua natureza degenerativa,
criada por várias personalidades dúbias ao longo da História. Uma sociedade
imersa em tramas políticas que através das quais se visa apenas o benefício
próprio: vale tudo para silenciar os que lhes incomodam, enquanto chafurdam em
suas falcatruas e nas mais diversas atrocidades.
É preciso um modelo
muito mais sustentável, sem a obsessão por lucro, mas que devolva à Terra seus
recursos. Os indígenas ainda praticam a agricultura de subsistência, é por isso
que eles se recusaram e ainda se recusam a viver essa quimera ocidental de “civilidade”.
Ambos os modos de vida, ressalvados seus paradoxos, são válidos. Os indígenas
podem aprender com nossa tecnologia, mas também deveríamos aprender com sua austeridade
bucólica. Não trata-se de um melhor que outro, trata-se de erradicar a
corrupção, a hipocrisia e inserir o indígena no universo intelectual, econômico,
político, sem coerção e sem mais genocídio (e esta inserção na cultura, na
intelectualidade, deveria ser um exercício mútuo).
Talvez seja uma nova
utopia: que os meios de produção e de consumo fossem do acesso de todos,
oriundos das mais diversas culturas. Serei tolo, serei um patético comunista: é
o que dizem sempre que alguém esboça preocupação em melhorar a vida do outro
(que ele estude, que ele trabalhe!). Sim, que ele estude, que ele trabalhe, que
ele adquira conhecimento útil à sua ascensão como pessoa, que ele receba um
salário digno, tudo isto é verdade, que tudo isto saia de toda nossa teoria
falaciosa e que o meio em que ele (o indígena, homem ou mulher, assim como cada
um de nós...) vive dê a ele (ou a ela) condições de ir e vir, de usufruir de lazer
e cultura e que, por fim, sejamos tratados como seres humanos: nós sentimos,
nós pensamos, nós sonhamos; não somos apenas uma engrenagem desprezível, usada para
fazer número em dia de voto (ou pelo menos não deveríamos ser!).
Falta “vontade
política”, não é verdade? O mundo começa a melhorar quando mudamos nosso mundo,
quando “arrumamos nosso quarto”. Nativos ou europeizados. Quanto á nós, votemos,
portanto? Para quê? E quem somos nós? Somos todos nativos da mesma terra e
itinerantes da mesma viagem que nos levará de volta ao pó. Decidiremos quem
teremos sido, se cuidamos bem ou não do lugar que nos acolheu, ou se tudo o que
fizemos foi ultrajar nossa própria e insubstituível história.
Sim, votemos, nunca
vendamos nosso voto, é repulsivo. Já não temos os melhores candidatos, ainda
haveremos de prostituir a nossa ínfima e duvidosa manifestação eletrônica de
vontade? Enfim, votemos nos menos piores, naqueles que não são oriundos de
famílias que estão no poder desde a Era Paleolítica. Ajudemos uns aos outros,
aos nossos vizinhos, aos nossos irmãos indígenas; cuidemos do lugar onde
vivemos, tenhamos esperança em uma sociedade mais justa e que nossos
descendentes possam viver em um lugar onde prevaleça a paz (que tenhamos
descendentes!).
By Danillo Macedo
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