terça-feira, 19 de maio de 2020

Televisão





“(...) o costume só deve ser seguido por ser costume e não por ser razoável ou justo, mas o povo o segue pela única razão de acreditá-lo justo” (Blaise Pascal, 1623 – 1662)



“(...) toda realidade humana é falta que se cava na medida em que se preenche”(Sartre, 1905 – 1980)





Gosto de assistir televisão

Para aprender no que não acreditar

Suas verdades delegadas

Servem a interesses determinados

Escritos aqui em novos rabiscos:

Entorpecimento da realidade

O que é a “realidade”?

Não pode ser estática

Flui na sucessão infinita das coisas

E toda narrativa sobre ela é um reflexo distorcido



Não são as imagens apelativas que desestimulam a realidade

O discurso dissimulado é o mais apelativo

Narrativas fabricadas em um laboratório de fanatismo e corrupção

Seus ideais, seus conceitos, nada é neutro

São fantoches dos grandes grupos de publicidade

Que ditam as regras dos braços fortes para o trabalho

Ratos que morrerão como qualquer um de nós

São o elo que gira a roda da fortuna

Mas, não da “Fortuna”

Violentam a inteligência

Controlam as massas

Cada vez mais ricos ajudam outros ricos a ficarem também mais e mais ricos

Ter dinheiro para gastar, isso não é ruim

Mas, enquanto uns não têm o que comer outros ganham milhões

Isso é a justiça do homem

A “meritocracia” da exploração

Todos os demasiadamente ricos deviam ser processados por enriquecimento ilícito

Até o Mestre dos mestres disse isso

Por meio de outras palavras

Não se trata de um Comunismo barato

Cada vez mais ricos, os ricos criam estratégias para se manterem no poder

E já não basta o poder econômico

Já é natural o dinheiro comprar tudo sem esforço para ascender a mais poder

Compram leis, a porra da polícia...

“super-heróis” de toga que alimentam e se alimentam do mesmo jogo sujo

Violentam a dignidade do trabalhador

Que não teve herança e já não tem tanta esperança

Mesmo o que se enriqueceu sem herança

O fez a custa do trabalho dos outros

Ninguém denuncia isto, ninguém gosta de falar sobre isto

Pois vítimas e culpados são “invisíveis”

São arquétipos, são objetos inanimados

Pelo menos, é nisso que querem que acreditemos

Fabricam até ideias, leis pútridas é o cotidiano

Somos todos vilipendiados

Na mesma oficina de ratos

Do rato que rói a própria merda da roda que gira do corpo que suspira

Mas não inspira nada além da própria condição vituperada

Ratos de merda que se comem uns aos outros até virarem pó



Pelas grades da roda, por trás das fardas, os maiores ratos hipócritas posando para fotos e focos de câmeras

Ratos que já viraram os grandes ratos que a fábrica de ratos quis que deles se fizessem

Por trás de togas e ternos: carcaças vazias

E sou o rato que repete, os passos na roda dos ratos, as mesmas verdades



A sociedade é um organismo podre que se conserva graças ao gelo da hipocrisia

(Enrique Jardiel Poncela)



Tão patéticos atores, atrizes, jornalistas, futebolistas que se vendem

E fazem da TV seu grande arauto subornado por favores, posições e dinheiro



Todos os dias, as pessoas escancaram suas bocas para engolir toda merda que jorra da televisão

Quando não abrem as pernas

Fábrica de ideias legitimadas na apelação

No assédio dos estímulos sensoriais

Na propagação do medo, o pânico é o enredo

Necessidade em se ter, desde cedo, coisas desnecessárias, mas criar este tipo de necessidade é “necessário”



Se esforçam para que sejamos o que não queremos ser...

para, a cada salário, comprarmos coisas que não precisamos ter



E, assim, seguirmos seus ritos, padrões – de moda, de alimentação – de mundos que não foram criados por nós, mas para nós



Nos livros não estão as respostas para todos os problemas do mundo

Mas todos os problemas do mundo podem ser encontrados nos livros

A televisão não traz, a ninguém, nenhuma resposta definitiva

Ela é mais um novo problema, embora não nos traga somente problemas

Ela pode ser usada, por exemplo, para a educação, a informação e o entretenimento

Mas, cuidado, este é um campo minado



 “toda realidade humana é falta que se cava na medida em que se preenche”

(Sartre)



Eu questionaria Sartre, o homem é livre para cavar ou para preencher de invenção de si mesmo seu próprio coração cujo vazio é do tamanho da sua própria existência?

Enquanto ser que escolhe revirar o entulho para erigir pedra por pedra os muros da vida



Sou uma criança perdida, que não foi aceita por nenhum orfanato mundano

Sou Drummond na sua contemplação no banco

Sou a contemplação

Sou a flor que rompe o concreto embaixo do banco

Com o coração muito maior que o mundo

Tão vasto, talvez profundo



Damos voltas e voltas como insetos a revolver a podridão que nos sobra

E, na TV, sobretudo “aberta”, aspiramos todas as merdas encomendadas por homens como nós, feitos da mesma matéria, que se desfaz a cada sonho interrompido



Somos sombra e matéria da nossa própria mediocridade

E, de novo, sou rato e rato, na oficina barata em que fingi ter sido rato, talvez eu seja mesmo um produto da oficina de ratos

Cuspindo em nossos cadáveres, cujos rostos estão cobertos por nossos lençóis maculados

Exumando nossa decadência, para tornarmos a cuspir e encobrir nosso desespero diante das coisas que amordaçam nossas palavras de agonia

Nos “informando” nos deixam “enformados”!



Aptos a acreditarmos em toda merda industrializada em fornos preparados com suor e sangue

Fábricas de ideias, de narrativas ilusórias sobre o que devemos ser

A partir dos modelos costurados às pressas sobre o que acham que deveríamos ser

Ratos, todos ratos que roem seus nervos agora

Coma com os ratos, venha ser rato, venha ser serpente, se entregue a meus devaneios, vamos, entre na máquina que fará de ti um novo rato



E, assim, nossos espectros, que fugiram dos nossos desejos mais espúrios, podem atuar no parque de diversões do mundo como quiserem, tanto quanto se manterem em suas confortáveis, embora ilusórias, posições de poder



Ah, seus ratos, não se livrarão dos fatos, até a juíza suprema, nossa madrasta, a Morte, nos recolher e nos por frente a frente na mesma condição, igualados pelos mesmos vermes que roerão cada milímetro de nossos ossos



A televisão seguirá sendo, no eco que deslumbraremos da nossa vida escapada, este objeto obsceno e de decoração

Para esconder a feiura do centro da sala

Mas, que seja mantida, o quanto for possível, desligada, à sua mais nobre função:

Mergulhar-se em silêncio profundo

Quanto mais saudável à nossa percepção, inviolada, das coisas



A televisão aberta e seu monturo de merda

Decidido a foder com a vida da massa não pensante

Ratos...



“Fábrica” de “verdades”

Ninguém pode apontar onde está “a verdade”

Às vezes, ela está num lugar intangível, dentro de nós

Quem diz que a verdade “é essa”, que “ela está aqui”, ou “ali do outro lado”, que “este é o caminho a se seguir”?

Falaz!



Mas, se o que eu digo é verdade, então eu também menti (tentando vender a “minha” “verdade”)

Mas, espere ai, tendo eu mentido, então, o que eu digo, na verdade, é verdade?!(e não quis vender coisa alguma...)

São só paradoxos semânticos

O sentido pragmático é o de que a única verdade é que ninguém pode ser dono dela...



Cospe na televisão e rende-te ao primeiro livro na estante!

Sobe a superfície das coisas e paira na singela dúvida, só por um instante!


by Danillo Macedo

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