“(...) o costume só deve ser seguido por ser costume e não por ser
razoável ou justo, mas o povo o segue pela única razão de acreditá-lo justo”
(Blaise Pascal, 1623 – 1662)
“(...) toda realidade humana é falta que se cava na medida em que se
preenche”(Sartre, 1905 – 1980)
Gosto de assistir televisão
Para aprender no que não acreditar
Suas verdades delegadas
Servem a interesses determinados
Escritos aqui em novos rabiscos:
Entorpecimento da realidade
O que é a “realidade”?
Não pode ser estática
Flui na sucessão infinita das coisas
E toda narrativa sobre ela é um reflexo distorcido
Não são as imagens apelativas que desestimulam a realidade
O discurso dissimulado é o mais apelativo
Narrativas fabricadas em um laboratório de fanatismo e corrupção
Seus ideais, seus conceitos, nada é neutro
São fantoches dos grandes grupos de publicidade
Que ditam as regras dos braços fortes para o trabalho
Ratos que morrerão como qualquer um de nós
São o elo que gira a roda da fortuna
Mas, não da “Fortuna”
Violentam a inteligência
Controlam as massas
Cada vez mais ricos ajudam outros ricos a ficarem também mais e mais
ricos
Ter dinheiro para gastar, isso não é ruim
Mas, enquanto uns não têm o que comer outros ganham milhões
Isso é a justiça do homem
A “meritocracia” da exploração
Todos os demasiadamente ricos deviam ser processados por enriquecimento
ilícito
Até o Mestre dos mestres disse isso
Por meio de outras palavras
Não se trata de um Comunismo barato
Cada vez mais ricos, os ricos criam estratégias para se manterem no poder
E já não basta o poder econômico
Já é natural o dinheiro comprar tudo sem esforço para ascender a mais
poder
Compram leis, a porra da polícia...
“super-heróis” de toga que alimentam e se alimentam do mesmo jogo sujo
Violentam a dignidade do trabalhador
Que não teve herança e já não tem tanta esperança
Mesmo o que se enriqueceu sem herança
O fez a custa do trabalho dos outros
Ninguém denuncia isto, ninguém gosta de falar sobre isto
Pois vítimas e culpados são “invisíveis”
São arquétipos, são objetos inanimados
Pelo menos, é nisso que querem que acreditemos
Fabricam até ideias, leis pútridas é o cotidiano
Somos todos vilipendiados
Na mesma oficina de ratos
Do rato que rói a própria merda da roda que gira do corpo que suspira
Mas não inspira nada além da própria condição vituperada
Ratos de merda que se comem uns aos outros até virarem pó
Pelas grades da roda, por trás das fardas, os maiores ratos hipócritas
posando para fotos e focos de câmeras
Ratos que já viraram os grandes ratos que a fábrica de ratos quis que
deles se fizessem
Por trás de togas e ternos: carcaças vazias
E sou o rato que repete, os passos na roda dos ratos, as mesmas verdades
A sociedade é um organismo podre que se conserva graças ao gelo da
hipocrisia
(Enrique Jardiel Poncela)
Tão patéticos atores, atrizes, jornalistas, futebolistas que se vendem
E fazem da TV seu grande arauto subornado por favores, posições e
dinheiro
Todos os dias, as pessoas escancaram suas bocas para engolir toda merda
que jorra da televisão
Quando não abrem as pernas
Fábrica de ideias legitimadas na apelação
No assédio dos estímulos sensoriais
Na propagação do medo, o pânico é o enredo
Necessidade em se ter, desde cedo, coisas desnecessárias, mas criar este
tipo de necessidade é “necessário”
Se esforçam para que sejamos o que não queremos ser...
para, a cada salário, comprarmos coisas que não precisamos ter
E, assim, seguirmos seus ritos, padrões – de moda, de alimentação – de
mundos que não foram criados por nós, mas para nós
Nos livros não estão as respostas para todos os problemas do mundo
Mas todos os problemas do mundo podem ser encontrados nos livros
A televisão não traz, a ninguém, nenhuma resposta definitiva
Ela é mais um novo problema, embora não nos traga somente problemas
Ela pode ser usada, por exemplo, para a educação, a informação e o
entretenimento
Mas, cuidado, este é um campo minado
“toda realidade humana é falta
que se cava na medida em que se preenche”
(Sartre)
Eu questionaria Sartre, o homem é livre para cavar ou para preencher de
invenção de si mesmo seu próprio coração cujo vazio é do tamanho da sua própria
existência?
Enquanto ser que escolhe revirar o entulho para erigir pedra por pedra
os muros da vida
Sou uma criança perdida, que não foi aceita por nenhum orfanato mundano
Sou Drummond na sua contemplação no banco
Sou a contemplação
Sou a flor que rompe o concreto embaixo do banco
Com o coração muito maior que o mundo
Tão vasto, talvez profundo
Damos voltas e voltas como insetos a revolver a podridão que nos sobra
E, na TV, sobretudo “aberta”, aspiramos todas as merdas encomendadas por
homens como nós, feitos da mesma matéria, que se desfaz a cada sonho
interrompido
Somos sombra e matéria da nossa própria mediocridade
E, de novo, sou rato e rato, na oficina barata em que fingi ter sido
rato, talvez eu seja mesmo um produto da oficina de ratos
Cuspindo em nossos cadáveres, cujos rostos estão cobertos por nossos
lençóis maculados
Exumando nossa decadência, para tornarmos a cuspir e encobrir nosso
desespero diante das coisas que amordaçam nossas palavras de agonia
Nos “informando” nos deixam “enformados”!
Aptos a acreditarmos em toda merda industrializada em fornos preparados
com suor e sangue
Fábricas de ideias, de narrativas ilusórias sobre o que devemos ser
A partir dos modelos costurados às pressas sobre o que acham que
deveríamos ser
Ratos, todos ratos que roem seus nervos agora
Coma com os ratos, venha ser rato, venha ser serpente, se entregue a
meus devaneios, vamos, entre na máquina que fará de ti um novo rato
E, assim, nossos espectros, que fugiram dos nossos desejos mais
espúrios, podem atuar no parque de diversões do mundo como quiserem, tanto
quanto se manterem em suas confortáveis, embora ilusórias, posições de poder
Ah, seus ratos, não se livrarão dos fatos, até a juíza suprema, nossa
madrasta, a Morte, nos recolher e nos por frente a frente na mesma condição,
igualados pelos mesmos vermes que roerão cada milímetro de nossos ossos
A televisão seguirá sendo, no eco que deslumbraremos da nossa vida
escapada, este objeto obsceno e de decoração
Para esconder a feiura do centro da sala
Mas, que seja mantida, o quanto for possível, desligada, à sua mais
nobre função:
Mergulhar-se em silêncio profundo
Quanto mais saudável à nossa percepção, inviolada, das coisas
A televisão aberta e seu monturo de merda
Decidido a foder com a vida da massa não pensante
Ratos...
“Fábrica” de “verdades”
Ninguém pode apontar onde está “a verdade”
Às vezes, ela está num lugar intangível, dentro de nós
Quem diz que a verdade “é essa”, que “ela está aqui”, ou “ali do outro
lado”, que “este é o caminho a se seguir”?
Falaz!
Mas, se o que eu digo é verdade, então eu também menti (tentando vender
a “minha” “verdade”)
Mas, espere ai, tendo eu mentido, então, o que eu digo, na verdade, é
verdade?!(e não quis vender coisa alguma...)
São só paradoxos semânticos
O sentido pragmático é o de que a única verdade é que ninguém pode ser
dono dela...
Cospe na televisão e rende-te ao primeiro livro na estante!
Sobe a superfície das coisas e paira na singela dúvida, só por um
instante!
by Danillo Macedo