MINHA LEITURA:
“a maior loucura do mundo era goverar-se pelo som de um sino, e não pela ordem do bom senso e entendimento” - François Rabelais (1494-1553)
“em cada uma de suas marcas um tipo de homem individual-social
existiu,
em sua singularidade, finitude e inefável intensidade. O céu é a régua
-
sob e entre os astros a história humana ganha
uma numeração." – José Carlos Reis (UFOP)
I
O relógio marca as horas
Que imitam a Natureza
O calendário emula os astros
Os astros inalcançáveis
O tempo não se emula
Se esboça em linhas precárias
O tempo é nossa flama
Enquanto se inflama
Aos olhos a vida
O relógio, o calendário
Ficam estáticos
Sempre inacabados
Dias que não foram vividos
Promessas na clepsidra
Rotina que se perdeu nas coisas
Chances que nem foram vistas
Tudo se perdeu da vista
E o relógio parou de girar
As contas não foram pagas
Os meses todos nos traíram
Choveu nos dias errados
Erramos em dias estiados
Nem vi quando dormi
É um golpe impassível
Foi bom sonhar acordado
E viver como se dormia
Consertei o que havia perdido
Perdi o que não foi consertado
Encontrei o que nem procurava
Procurei a estrada mais certa
Entrei pela estrada errada
Achei que a vida era tudo
Mas, quando, finalmente, acordei
Eu vi que a vida era nada...
II
O tempo era bom antes de ser
inventado
Inventaram a hora de dormir e de levantar
Para irmos produzir riquezas para
os ricos
Para fazermos mais no menor
intervalo
Para estudarmos e aprendermos suas
regras
E, antes do tempo dado: enchermos
suas adegas...
III
Existem tempos, não o tempo (pseudo) organizador
O tempo da vida é complexo: há o
tempo de plantar e colher
Há tempo de viver a tristeza, há
tempo de colher o amor
O tempo da vida é maestro, o tempo opressor:
inventado...
IV
Há o tempo da Física: que mede o
movimento no espaço
Há o tempo da memória: da vida
recuperada em pedaços...
Há o tempo de entender e há o tempo
de ensinar
Há o tempo de sofrer, de viver, de
morrer, de errar e de amar...
V
“perder tempo”
É uma frase do tempo inventado
Significa ter vivido, muito ou
pouco
Mas nenhum lucro oferecido aos
cínicos
Enriquecidos e emburrecidos num mundo
jazido em idiotismo...
Queria que meu tempo pertencesse a
mim...
O mundo se dissolveu em trabalho e
agonia
E não há melhor maquiagem que um
sorriso
Para adornar o mundo de Arte e Poesia
Para tornar a sociedade menos hipócrita
e fria...
VI
Deus é o Tempo, é Hoje e Agora
Não muda, não reage a alarmes e
sinos
É grande como o mar
Tal qual grão de areia, é bem pequenino
Não se lembra, pois de nada se
esquece
É tão frio como o coração de um
estadista
Mas também nos aquece, como é a
verve do artista
Deus nem precisa se comunicar
Nem língua tem, nem veio de nenhum
lugar...
Os homens se comunicam, sim, estes
sim
Porque nada sabem e, assim fazem:
Enquanto tentam saber esboçam o
comunicar
Assim, deste modo o fazem:
Evocam palavras incompletas...
E criam a língua: essa coisa toda
incompleta, toda metáfora!
Esta é a agonia da elucidação:
Estes espectros de vazio de
conhecimento
Estes rabiscos infantes de
explicação...
Enfim, Deus não diz...
Pois Ele é o conhecimento completo
Sabe tudo e não usa palavras
O homem tenta dizer e é dito por
ele próprio
Falamos para algo inquieto dentro
de nós
E o que escutam de nós é nosso
grito organizado
em alguns ecos que escaparam em
palavras mal formadas...
E somos isto de tentar dizer as
coisas que não podem ser ditas
E que levamos para outra vida sem
nunca terem sido ditas...
Quem sou para falar de Deus...
Talvez Ele se diz em partes quando
eu falo d’Ele e de mim
E digo isto para dizer que dizer é coisa
sem Tempo e sem lugar precisos
É coisa que inventa coisas como Aquele
que inventou o homem que inventou o tempo
material, impreciso...
O homem que inventou o tempo para
contar seus dias
Para fazer o melhor que pode neste
tempo contado...
Inventa dias, inventa prazos, este
que foi inventado...
Inventa palavras
E se contorce mudo...
Tentando dizer
Não diz nada
Tentando ser
Não é nada
E, assim, volta à essência do
Nada...
VII
Há o tempo exterior: material,
matemático, exato
Há o tempo interior: minha memória,
meu substrato
Quem conta o tempo é quem termina
Para contar o tempo discriminado
O horizonte humano é a finitude
Seu ser
interrompido, acabado
Há um perplexo
passado
Do ser vivido e
terminado
Num presente
metafísico
Simultâneo ao
todo abscôndito
Um todo que não
foi revelado...
VIII
Sou memória
pura...
O que lembram
que fui
O que eu mesmo
lembro que fui
Só o passado
existe
A consolidação
do ser no tempo
Duração
realizada
Sou este tempo
da consciência
Sou o que há de
mim em cada um que de mim se lembra
Sou meus
rastros, meus vestígios arqueológicos
Sou aquele que
me lê e me reescreve em sua alma
E o passado é o
ser conhecido...
Só existe este
passado vislumbrado?
Por que o
presente nunca dura?
Sempre, e logo,
vira um novo passado?
O futuro nunca
chega...
E vem de novo o
passado: que se impõe
Revirado e
lembrado
O ser vivido, o
ser vencido, o ser cumprido
Posto agora ao
conhecimento do mundo
Ao conhecimento
dos outros seres vivendo
Conhecimento que
vai sendo aprendido
Em outros seres
que também terão sido...
IX
Nossa
experiência é do perecimento
E só existimos
depois do ser cumprido
O que ficou da
passagem
Até então: uma
vela arrastada
O
indivíduo-social na beira da estrada
À deriva, no mar
chamado Tempo
Uma nau,
atormentada pelo vento
À espera de um
retorno para casa
Enquanto as
ondas lavam
Todas as marcas
deixadas...
X
O tempo
histórico é um poeta ilusionista
Entre a Natureza
e a consciência do artista
A mente possui
um fluxo descontínuo
Que o calendário
e o relógio tentam organizar
Em quadros
fixos, vidas dispersas
Datam nossos
deveres, projetam ações
O Tempo não pode
ser domado
O Tempo não é
uma medida exata
Ao homem finito,
tudo é datado
Contamos horas,
minutos, segundos
Os dias e as
horas pertencem aos astros
Pertencem-nos,
talvez, algumas escolhas
Somos numerados
por diretrizes e protocolos
Assim, os dias,
na sucessão dos processos
Ao tempo dos
astros, noutra dimensão
Nada se
antecipa, se atrasa ou se cancela
Não se protela,
não se exalta ou tenta se adiantar
É tenaz, não se
distrai, é sempre e é todo
Sabe curar, sabe
tirar tesouros do lodo
Ele é sacro, ele
é deus, Ele é mágico
Não faz
contratos, não é versão, mas é um evento
acabado
Julga os homens,
mas também julga os ratos...
Somos filhos do
Tempo
Do vazio, do
silêncio, do escuro
Somos filhos da
experiência dessa transitoriedade
Ele é mestre da
repetição, da perfectibilidade
Deixamos apenas
pegadas
Na experiência
mágica do nada
Repetimos, mas
mudamos
Nós mentimos,
nós erramos...
O tempo troca
tudo de lugar
Tudo vira isto
de restolho, de resquício
Tudo vira isto
de sonho interrompido
Tudo vira isto
de a vida foi uma noite de glória
Tudo vira isto
de o tempo provou mais uma vez
Que ele é
soberano
Que ele põe
todos os homens no mesmo plano
E faz no homem
perplexo
Um cabedal
desconexo
A sua essência:
A memória!
By Prof. Dr. Danillo Macedo