terça-feira, 15 de novembro de 2016

O homem comum e o incomum



Um homem tem certas obrigações que lhes são impostas pela condição de sê-lo. Um homem deve, entre muitas outras coisas, trabalhar, andar vestido, cuidar de um certo mundo que o cerque. Todos os humanos de um modo mais geral possível, sempre estão envolvidos nesse tipo de atividade rotineira que, numa síntese ou numa generalização, os iguala. Pode-se dizer, então, que, em largas visões, os homens são todos iguais, ou melhor ainda, os humanos são todos iguais.
Numa olhada, digamos assim, mais aproximada, não muito, somente o suficiente, se perceberá uma distinção destes em algumas categorias genéricas, do tipo: homem e mulher, criança e adultos. Aproximando-se um pouco mais, pode-se observar outras categorias, aquelas distintas por preconceitos, do tipo: mais ricos e mais pobres, mais brancos e menos brancos. Mais próximo ainda, ver-se-á outras categorias de gente que se diferencia pela situação social em que se encontra, do tipo: se está de branco é da área de biológicas, se está de terno ou é advogado ou é executivo e sua variantes. Aproximando-se mais ainda, ver-se-á distinções do tipo mais bonito, mais feio, careca, gordo, magro, etc.
Nesse estágio de observação, o genérico deixa de existir, a partir desse ponto, todos são distintos de alguma maneira. Porém, esses se desnivelam por algo que não pode ser visto, pela atitude que tem em relação aos outros: alguns são capazes de ver mais além do óbvio e outros, mesmo esforçando-se, têm muita dificuldade para ver certas diferenças.
Observando uma certa categoria de gente, que não chega a ser uma categoria, mas é um estado de alma, percebe-se que a distinção entre essas duas pessoas impossibilita ou nega a existência de um indivíduo capaz de ser as duas coisas: o intelectual incomum e o intelectual comum ou não-intelectual.
O primeiro não tem outro amor que a sua própria mente. Não ama se não for por absoluto espaço vazio. Ele escolhe aquilo que melhor se encaixa na sua existência de intelectual convicto. Nada além de uma existência sem qualquer outro objetivo que marcar sua presença no meio que ele vive, sem a pretensão de ser imediatamente reconhecido, mas profundamente respeitado, tem importância. Esse, certamente, ganhará os limites do que pretende ser e o será do modo mais lindo possível. Ele será vencedor.
O homem que não é incomum, que é alguma coisa, mas a executa de modo não apaixonado, é um monte de coisinhas. Ele é o pai do fulano, filho de beltrano, etc. Ele é um dentre tantos médicos, enfermeiros, professores, atores, artistas, donas de casa, homem do lar, etc. Importantes, mas que não permite ao ser aquilo que não for de imediato o mais útil. O comum é comum. Ser comum não permite ser incomum.
Para ser muito incomum deve-se, portanto, ser um ser de natureza incomum. Cabe uma certa máxima, talvez preconceituosa, que classifica as pessoas segundo uma certa distinção mental de origem evolutiva, ou seja, a classificação de serem distintas em mais inteligentes e menos inteligentes. Daí, se uma pessoa inteligente/evoluída resolve ser dedicada, muito dedicada: ela se inventa intelectual/incomum.
O intelectual, porém, não deve ter a pretensão de ser comum. O intelectual é absolutamente intragável, não visível, não pode ser pai ou mãe, dedicação não pode ser dividida. O intelectual não pode ter medo de ser discriminado; a discriminação é a sua arma mais poderosa. Ele vive e existe porque é muito estranho, se não o for não poderá ser intelectual. Existe um abismo intransponível entre o comum e o incomum.
O intelectual não se zanga com os não intelectuais, com as suas limitações e classificações. Ele só classifica depois de analisar muito. Ele não precisa do mundo porque o seu mundo, ele carrega na cabeça. Ele vive enquanto puder ser apenas aquilo que quer ser, e só. Ele raramente quer aquilo que os comuns mais querem: a matéria em grandes quantidades. Ele se satisfaz em não ver nada que não lhe interessa, mas é capaz de permanecer olhando a mesma coisa durante anos. É por isso que ele não pode ser comum, não pode ter amigos do grupo comum sem ser estranho entre eles, não pode ter prazeres imediatos em larga escala, ele se contenta e fica feliz com um pouco desde que seja de profunda qualidade.
Comum a gente não precisa falar, eles estão aos montes e são muitas e muitas vezes praticamente desprezíveis (em sentido figurado), o incomum acredita na vida e na possibilidade de transformação da vida: é por isso que sempre vive e vive para sempre.

Poema em prosa do Prof. Dr. Sebastião Elias Milani: professor, linguista e excepcional poeta. 

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