Acabei por
achar sagrada a desordem do meu espírito
- Arthur Rimbaud -
Caindo para o abismo ou caindo do céu
Não importa
É sempre como o brilho da estrela que morreu
Não posso discernir o certo do errado
Mas o falso do verdadeiro
É como a morte do filho que viveu 30 segundos
É como a ponte levada pela força das águas
É como queimar o bolo de aniversário faltando uma hora para
a festa começar
É quando a festa acaba e não tem mais aniversário
É quando amanhece e tudo o que foi parece não precisar ter
sido
É quando tudo deveria ter sido, mas nada realmente foi
É quando tudo poderia ter sido um pouco mais para
esmaecer-se um pouco menos
Como tudo se esvai, meu Deus: o café que tomei, a água com
que me lavei, o beijo que eu lhe roubei...
É quando a gente pensa no que deveria ter dito, mas logo
pega no sono e se esquece de tudo o que aconteceu
É quando a gente se lembra do que aconteceu e se esquece do
que deveria ter dito
Alzheimer ao contrário é a febre do amor
São espinhos que cortam a pele
Como o Bem são frases riscadas nas águas
Como pode, meu Deus, ser tão difícil de esquecer-se de algo
sem importância que se acabou e por isso mesmo não deveria ser importante, mas
que não lho tendo feito inteiramente fica nesta agonia mnemônica como se
importante fosse?
Água esconde o corpo nu e exposto
A mesma água a cujo abismo caía
Mas te soergui e me apaixonei por ti
E fomos um de corpo e alma
Até que o rio virou mar
E não mais te vi
A não ser cair de um céu inesperado
No brilho opala do que não mais existia
Como podia, pois, haver de brilhar, não sabia...
As águas refletem-na durante a noite
Quando desce no álgido vapor noturno
Cada vez que a água passa é um pouco de tudo que fica mais longe
Cada vez que anoitece é um pouco do nada imóvel na face da
mesma água que passa
Tudo me lembra você
(O brilho vivo da estrela que morreu)
Todas as noites eu acho que alguma estrela vai cair e te
trazer de volta
Até que volta a ser dia e na água só vejo o mesmo rosto
abatido
Do céu só cai esta chuva fininha
Recosto-me no travesseiro
Abraço o cobertor como se fosse o teu corpo
Sem saber como este brilho do que morreu também há de
apagar-se um dia
No cerrar peremptório dos olhos fatigados
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