sábado, 22 de julho de 2017

Circe





 Parte I

Éclatement

Ménades
Vieram comigo
Escorregar
Pelo corpo, o fino feitiço
De desejo
Para esfumaçá-lo
E o esfumaçava
Com fluidos, colágenos
E adereços
Embaraçados nos dedos
Enquanto, do teto, ouvia-se
Criaturas celestes...




Parte II

Déchaîner

Eu, preso no espelho, vendo-me
Do lado de fora, de mim
E Circe, da janela
Lua Nova
Escondia sua face lá dentro

Do teto, os passos
Das lâminas, os poucos feixes de luz
Com que os versos desciam e entrecortavam
O parco sabor de amor encantatório
No que eram convertidas as falsas
Promessas mundanas

Ofereciam pedaços de poesia
A cada boca sedenta
Enclausurada

Não podia deixá-la entrar
Mas, embebia-me do seu veneno
Que vinha do hálito do vento



Espelhos quebrados
Demônios e anjos
Sem que eu soubesse qual dos dois era eu
Apenas estilhaços do olhar de Circe
Que refletiam semiescuridão
O semi-sorriso
Das túrbidas bordas


- Danillo Macedo -  



sexta-feira, 21 de julho de 2017

Epitáfio






Recolhi meus pertences
Dois livros velhos
Acho que James Joyce e Oscar Wilde

As coisas mudam de lugar
Mas, nem sempre se transformam
O pêndulo que ia e vinha
Feria-me no monótono transcurso
E continua ferindo-me agora

O que me deixa os olhos turvados
E os pés curvados (ou contorcidos)

E já não domino minhas ações
Perfídias involuntárias
Ou atos sobranceiros

A seta que me conduzia ao cume
Esqueceu-me de dizer que era o fastígio da morte



Desferi contra meu peito o último golpe
Que seria contra o teu...

Caminhei em círculos
Mas não se caminha em círculos
Despenca-se do ar
Mas uma alma chã não se despenca de nada
Dissolve-se na própria finitude
E come do pó da própria ruína

Tarde de mais...

Dos últimos versos que escrevi
Li palavras ininteligíveis
Mas não se lê o ininteligível
Revirei os olhos sobre letras desembestadas





Arrependi-me de tentar, em vão, coroar o ato de quitar-te a vida
E...
Sorri
Sob certa [auto] comiseração desalinhada
Tive pena de mim
Embebido no sangue achei tudo engraçado
Mas era delírio
Ao ver que
Na verdade
A vida que eu, então, arrasara
Meu anjo, minha obsessão
Não era a tua
Que encontrou seu próprio caminho
Era a minha
Que despencou sobre o solo
No crepitar dos espinhos!


 
 - Danillo Macedo - 







sábado, 8 de julho de 2017

K.



K.

Despreza os prazeres: é prejudicial o prazer comprado ao preço da dor
- Horácio (65 a.C. a 8 a.C.) -

K.,
Não sei entender
Não sei que é isto de fazer sem ter feito
De ser sem ter sido
Amar o prazer não é amar
O sofrimento existe para por termo
No que aflora apenas os biltres abraços da mesquinharia
Mas, só medra medo e não medra resistência por zelo
Que é o amor

Porém, de tempo em tempo
Não sei do que se trata
E talvez saibas
Embora sabendo o que não é já se pode melhor elucidar
O que isto de ser e não ser poderia ser
Sei que amar é amaro e causa quizilenta dor
É fogo que queima sem sentir e sem se ver
E não consome, pois o amor restaura
E tudo quanto se perde é fogo falaz
Chama espúria
Archote untado de gordura impura

O amor não é fogo que se apaga
É fogo que se esconde
E te penetra promíscuo pelas arestas
Não é fogo que consome
Mas, é fogo que queima
Não é coisa deste mundo
Posto que queima
E não se extingue
Não foge, não some
Embora não haja
Havendo-se sempre
Paira e te olha
E não te deixa

K.,
Não foi amor da tua parte
No teu nome tem guerra
Guerra sem causa
Sem inimigo preciso
E sem vencedor
O que é o que é?
É coisa que se pergunta
Mas, cuja resposta, humanos não têm
Se existe, porém, está do outro lado
Descaminhada nalguma estrela

Para onde vão as imagens?
Não deixam de existir
Vêm à superfície do ego para resistir

Teus olhos castanhos
Centrados nos meus
Teu corpo trigueiro
Colado no meu
Teu hálito inteiro
Perdido no meu
Teu beijo entregue
À volúpia do meu
Tua culpa estranha que o interrompeu
Tua indiferença te regelou
E condenou-me a viver para sempre
Sem direito a simplesmente morrer no desbaratino do mundo
Que desafina as notas do pensamento que te revive
É para que me cortem a cabeça
É para que me fustiguem a consciência
Que não morre, esta consciência
Que é a consciência da dor
Até que hajam te transformado nesta deusa indigna

Amei-te como Orfeu
Tendo, de Aristeu, as abelhas sufocantes
Eu, que fui o Aristeu
Que te viu aprisionada no fundo fino corpo de um fantasma
Que abria os olhos para me ver
Que movia os lábios para me dizer
Que estendia as mãos para me tocar
Mas, voltaste ao casulo escuro de uma vida cinza
Para se convencer de que fui um erro
Como quem luta contra anábases
Tal câncer no mais imaculado ser
Tendo sido esta a tua prisão
Não as lágrimas de ferro de uma falsa comoção
Senão esta apatia anêmica animada por uma vida de cores desbotadas

Não tente lavar um tecido limpo
Com nódoas em tuas mãos
Um cavalo atolado na lama
Quanto mais caminha, mais afunda
Quanto mais limpa, mais suja
Quanto mais tira, mais coloca
E te colocas no vazio cheio de merda que a vida te soçobra
Uma corda que devesse ser trocada para harmonizar o som do ruidoso cordofone
O mesmo som para o qual os ouvidos vedavas
Quando te cominava um coração mais ameno
Que silenciado, no entanto, sobejava-te ouvir o que outros ainda não têm para dizer

“Não esqueças de que não te esqueci
“Sei que podes
“Não esqueças de que tudo quanto pareceu errado
“Ao menos foi verdadeiro
“Não sei se podes, K.,
“Mas eu não me esqueci”

- Danillo Macedo - 



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