K.
Despreza os
prazeres: é prejudicial o prazer comprado ao preço da dor
- Horácio (65 a.C. a 8 a.C.) -
K.,
Não sei entender
Não sei que é isto de fazer sem ter feito
De ser sem ter sido
Amar o prazer não é amar
O sofrimento existe para por termo
No que aflora apenas os biltres abraços da mesquinharia
Mas, só medra medo e não medra resistência por zelo
Que é o amor
Porém, de tempo em tempo
Não sei do que se trata
E talvez saibas
Embora sabendo o que não é já se pode melhor elucidar
O que isto de ser e não ser poderia ser
Sei que amar é amaro e causa quizilenta dor
É fogo que queima sem sentir e sem se ver
E não consome, pois o amor restaura
E tudo quanto se perde é fogo falaz
Chama espúria
Archote untado de gordura impura
O amor não é fogo que se apaga
É fogo que se esconde
E te penetra promíscuo pelas arestas
Não é fogo que consome
Mas, é fogo que queima
Não é coisa deste mundo
Posto que queima
E não se extingue
Não foge, não some
Embora não haja
Havendo-se sempre
Paira e te olha
E não te deixa
K.,
Não foi amor da tua parte
No teu nome tem guerra
Guerra sem causa
Sem inimigo preciso
E sem vencedor
O que é o que é?
É coisa que se pergunta
Mas, cuja resposta, humanos não têm
Se existe, porém, está do outro lado
Descaminhada nalguma estrela
Para onde vão as imagens?
Não deixam de existir
Vêm à superfície do ego para resistir
Teus olhos castanhos
Centrados nos meus
Teu corpo trigueiro
Colado no meu
Teu hálito inteiro
Perdido no meu
Teu beijo entregue
À volúpia do meu
Tua culpa estranha que o interrompeu
Tua indiferença te regelou
E condenou-me a viver para sempre
Sem direito a simplesmente morrer no desbaratino do
mundo
Que desafina as notas do pensamento que te revive
É para que me cortem a cabeça
É para que me fustiguem a consciência
Que não morre, esta consciência
Que é a consciência da dor
Até que hajam te transformado nesta deusa indigna
Amei-te como Orfeu
Tendo, de Aristeu, as abelhas sufocantes
Eu, que fui o Aristeu
Que te viu aprisionada no fundo fino corpo de um fantasma
Que abria os olhos para me ver
Que movia os lábios para me dizer
Que estendia as mãos para me tocar
Mas, voltaste ao casulo escuro de uma vida cinza
Para se convencer de que fui um erro
Como quem luta contra anábases
Tal câncer no mais imaculado ser
Tendo sido esta a tua prisão
Não as lágrimas de ferro de uma falsa comoção
Senão esta apatia anêmica animada por uma vida de cores
desbotadas
Não tente lavar um tecido limpo
Com nódoas em tuas mãos
Um cavalo atolado na lama
Quanto mais caminha, mais afunda
Quanto mais limpa, mais suja
Quanto mais tira, mais coloca
E te colocas no vazio cheio de merda que a vida te soçobra
Uma corda que devesse ser trocada para harmonizar o som do
ruidoso cordofone
O mesmo som para o qual os ouvidos vedavas
Quando te cominava um coração mais ameno
Que silenciado, no entanto, sobejava-te ouvir o que outros
ainda não têm para dizer
“Não esqueças de que não te esqueci
“Sei que podes
“Não esqueças de que tudo quanto pareceu errado
“Ao menos foi verdadeiro
“Não sei se podes, K.,
“Mas eu não me esqueci”
- Danillo Macedo -